Olhares sobre os 60 anos do golpe de 64: Uerj promove eventos e cria Comissão da Verdade

01/04/202420:33

Diretoria de Comunicação da Uerj

Lembrar para não esquecer e jamais repetir. Há 60 anos, um golpe civil-militar destituiu o então presidente da República, João Goulart, e deu início a um período de 21 anos marcado pelo autoritarismo, censura, exílio, prisões, torturas, desaparecimentos e assassinatos de opositores do regime. Para recordar os fatos ocorridos e refletir sobre os desdobramentos e implicações da ditadura, a Uerj promove seminários, debates, exposições e visita guiada ao Museu do Cárcere, na Ilha Grande, além da instauração da Comissão da Memória e da Verdade Luiz Paulo da Cruz Nunes.

Essas e outras atividades de ensino, pesquisa e extensão ajudam, sobretudo, a compreender o processo histórico que culminou no rompimento institucional e suas consequências.

Para Gelsom Rozentino, professor da Faculdade de Formação de Professores (FFP) e coordenador do Ecomuseu Ilha Grande da Uerj, entre as condições para esse golpe de Estado destacam-se os limites e contradições do nacional-desenvolvimentismo; a associação dependente e subordinada ao capital estrangeiro, embora preservando um grau de determinação interna; a organização de uma intensa e articulada defesa do capitalismo como sistema econômico, da democracia liberal como sistema político e do anticomunismo.

A maior parte da imprensa hegemônica participou ativamente da campanha ideológica que precedeu o golpe e, depois, apoiou sua manutenção. “Os principais jornais e revistas do país publicaram seguidos editoriais contra a continuidade do governo Jango e a favor da intervenção militar. Também foram utilizados rádio, televisão, cinema, panfletos e livros”, aponta Rozentino.

Manifestação após assassinato do estudante da Uerj Luiz Paulo da Cruz Nunes

A Uerj e a ditadura

Segundo o professor, a ditadura adotou uma concepção de universidade de viés tecnicista, direcionada ao desenvolvimento econômico e priorizando a formação de mão de obra para o mercado de trabalho. Como boa parte das instituições de ensino superior brasileiras, a Uerj sofreu os efeitos do período autoritário, que atingiram alunos e profissionais que integravam partidos e movimentos de resistência.

O dia 22 de outubro de 1968 marca uma tragédia na história da Universidade, ocorrida nos tempos de exceção. Durante a repressão a um protesto contra a ditadura, realizado em frente ao Hospital Universitário Pedro Ernesto (Hupe), o estudante de medicina Luiz Paulo da Cruz Nunes foi assassinado por agentes da ditadura, aos 21 anos, com um tiro na cabeça. Seus colegas de turma decidiram homenageá-lo durante a solenidade de formatura no Theatro Municipal, mas a cerimônia acabou sendo suspensa e só foi realizada em 2008, na Uerj. Hoje, Luiz Paulo dá nome à pequena praça arborizada em frente à Capela Ecumênica, no campus Maracanã. Saiba mais no especial da TV Uerj.

O contexto político e a prisão das maiores lideranças estudantis, inclusive na Universidade, tornaram as manifestações públicas cada vez mais raras, principalmente após a decretação do Ato Institucional nº 5 (AI-5), em 13 de dezembro daquele ano.

A história da construção do campus da então Universidade do Estado da Guanabara (UEG) está inserida no contexto da ditadura. O local escolhido foi o grande terreno onde se encontrava a Favela do Esqueleto, pela localização estratégica entre as zonas Norte e Sul do Rio e pela proximidade com outras unidades acadêmicas situadas nos bairros de Vila Isabel e São Cristóvão. Longo e controverso, o processo de remoção da favela começou em 1965 e impactou a vida dos cerca de 12 mil moradores, majoritariamente reassentados na Vila Kennedy, na Zona Oeste. O campus foi inaugurado em 1976.

O olhar artístico

A exposição “Esqueleto: algo de concreto”, em cartaz nas galerias Candido Portinari e Gustavo Schnoor, no campus Maracanã, evoca a reflexão crítica sobre questões que marcaram aquele momento histórico e, em certa medida, permanecem válidas na atualidade. A mostra reúne obras de 43 artistas que, utilizando diferentes linguagens e formatos, abordam as temáticas da violência, do território, da disputa pela posse da terra e do acesso à educação pública, como na série de gravuras “Prova de estado”, de Andrea Hygino, egressa da Uerj. Por sua vez, a obra “Identidade ignorada”, do renomado Carlos Zilio, de 1974, chama a atenção para a barbárie dos corpos torturados, assassinados, desaparecidos e nunca identificados.

“Identidade ignorada”, de Carlos Zilio. Reprodução fotográfica Fabio Praça/Itaú Cultural

“A exposição conta com a contribuição de artistas maduros, como Zilio, Milton Machado, Antonio Manuel e, em especial, Hélio Oiticica, que foi absolutamente fundamental para a história da arte do Brasil, reconhecido internacionalmente, e que trabalhou com as questões relacionadas à ditadura e repressão nos espaços do Rio de Janeiro, especificamente na favela da Mangueira”, diz a coordenadora de Exposições (Coexpa) da Uerj e uma das curadoras, Ana Tereza Prado Lopes.

“Já os artistas jovens trazem a herança daquele tempo, seja no sentido da expressão, hábitos e cultura, como também as várias formas de violência que ainda persistem, sendo uma delas a desapropriação e expulsão de pessoas, como ocorreu com a Favela do Esqueleto no Governo Lacerda e depois se repetiu na história da cidade”, argumenta. Com entrada franca, a mostra pode ser visitada até 9 de maio, de segunda a sexta, das 10h às 19h.

Direito à memória e à reparação

Instituída pelo Conselho Universitário, em 2 de fevereiro, a Comissão da Memória e da Verdade Luiz Paulo da Cruz Nunes visa apurar os delitos de violação dos direitos humanos e as práticas antidemocráticas ocorridas nas dependências da Uerj, ou mesmo fora dela, que afetaram servidores e estudantes durante a ditadura militar.

A Comissão será formada pela presidente, Dirce Eleonora Nigro Solis, professora do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas; quatro docentes, preferencialmente um de cada Centro Setorial; quatro técnicos administrativos e quatro alunos – ainda não definidos. Serão criados grupos de trabalho abertos à participação de outros membros da comunidade acadêmica aptos a contribuir para o levantamento das informações e análise dos casos. “É um esforço conjunto, pois, de certo modo, somos devedores à Uerj, aos trabalhadores, estudantes e seus familiares de um registro detalhado da verdade e da memória histórica referente ao período de 1964 a 1985”, afirma a professora.

Os integrantes da Comissão também vão estudar a cassação do título de Doutor Honoris Causa concedido ao general e ex-presidente Emílio Garrastazu Médici, em 21 de janeiro de 1974, pelo Conselho Universitário, na gestão do reitor Oscar Accioly Tenório. “Sabemos que, naquela época, universidades com dirigentes simpatizantes ou não do regime ditatorial costumavam outorgar esses títulos honoríficos, supostamente por alguns ‘benefícios’ em prol da educação. Contudo, se analisados corretamente, eles foram, na verdade, bastante nefastos à educação brasileira”, ressalta Dirce. “Muitos dos agraciados foram mentores de atos repressivos contra militantes políticos, alunos, professores e funcionários. Portanto, é pertinente que, seguindo o exemplo de outras universidades, a Uerj reavalie e revogue essas honrarias”, acrescenta.

Museu do Cárcere

Segundo Gelsom Rozentino, o desativado Instituto Penal Cândido Mendes, em Vila Dois Rios, na Ilha Grande, foi um dos mais importantes presídios políticos durante a ditadura. “O local recebeu mais de cem pessoas consideradas subversivas e perigosas, que supostamente ‘ameaçavam a ordem social’, além de centenas de detentos comuns. Enquadrados na Lei de Segurança Nacional, os presos políticos fizeram várias greves de fome e enviaram ofícios denunciando as precárias condições a que eram submetidos”, frisa.

Exposição no Museu do Cárcere

Aberto à visitação de terça a domingo, das 10h às 16h, o Museu do Cárcere, núcleo do Ecomuseu Ilha Grande da Uerj, está instalado em prédios da padaria e da guarda do antigo presídio. “Nossa proposta é servir como importante fonte de reflexão sobre as políticas carcerárias e suas consequências na sociedade brasileira, a partir da história das sucessivas unidades penitenciárias da Ilha Grande”, explica o coordenador.

No dia 2 de abril, o Museu promoverá um evento sobre os 30 anos da implosão do Instituto Penal, ocorrida em 1994. Já no dia 6 serão realizadas duas visitas mediadas, às 10h30 e às 14h. Para participar, entre em contato pelo e-mail ecomuseu@uerj.br ou pelo telefone (21) 2334-1047.

Eventos

1º de abril – Mesa-redonda e homenagem à professora Hildete Melo: “60 anos do Golpe: mulheres, ação feminista e democracia”, promovida pelo Núcleo de Estudos sobre Desigualdades Contemporâneas e Relações de Gênero (Nuderg). O encontro acontece às 18h, na sala 9.031, 9° andar, bloco F do campus Maracanã.

2 de abril – Mesa de debate: “60 anos do golpe: a Uerj, o Brasil e a América Latina”, organizada pelo Programa de Pós-graduação em Políticas Públicas e Formação Humana (PPFH) da Uerj. A atividade começa às 15h, no auditório 111, 11º andar do bloco F, campus Maracanã.

4 de abril – Seminário “60 anos do golpe: história, memória e novas abordagens da ditadura no Brasil”. A programação inclui a palestra “Movimento negro e ditadura”, às 10h, no auditório 91, e oficinas, das 14h às 16h, em salas do 9º andar, campus Maracanã.

4 de abril – II Semana Nacional de Jornalismo ABI: 60 anos do Golpe de 64. A mesa-redonda acontecerá das 10h às 13h, no Auditório 111, campus Maracanã, com a participação dos debatedores Gulnar Azevedo e Silva, Chico Otávio, Denize Goulart, Luiz Roberto Tenório e Rejane Nogueira. Mediação de Patrícia Miranda.

De 15 a 18 de abril – Seminário Internacional: “60 anos de 1964: lembrar para não esquecer”. Local: Faculdade de Formação de Professores (FFP), na Rua Dr. Francisco Portela, 1470, Patronato, em São Gonçalo.