Pesquisa do Instituto de Biologia da Uerj simula condições do solo de Marte para cultivo de vegetais

01/08/202316:51

Diretoria de Comunicação da Uerj

 

Pesquisadores do Instituto de Biologia Roberto Alcantara Gomes (Ibrag) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) vêm desenvolvendo uma investigação que pode contribuir para a colonização do planeta Marte. Ao longo dos três últimos anos, professores, técnicos e alunos vinculados aos departamentos de Biofísica e Biometria e de Biologia Vegetal estudam simuladores de solo marciano para o plantio de vegetais.

O professor Cesar Amaral, que coordena o Núcleo de Genética Molecular Ambiental e Astrobiologia (NGA) da Uerj, relata que já foram cultivados feijão e soja, mas ressalta que a grande aposta do estudo é a ora-pro-nóbis (Pereskia aculeata). “Encontrada em abundância em algumas regiões de Minas Gerais, é um tipo de arbusto adaptado a solos mais arenosos”, afirma.

Norma Albarello, diretora do Ibrag, ressalta a tolerância dessa planta, uma espécie de cactácea, a ambientes áridos. Ela também destaca seus valores nutritivos. “Suas folhas possuem uma alta taxa de proteína, muito superior ao que encontramos no milho e no feijão, além de apresentarem uma elevada quantidade de aminoácidos essenciais, fibras e minerais”, esclarece.

Ambos os professores lembram como as cactáceas vieram se adaptando, em nosso planeta, a solos muito arenosos e difíceis, como é o caso de regiões desérticas. Isso torna a ora-pro-nóbis muito apropriada aos propósitos dos estudos com uma base metodológica comparativa, já que o plantio nos simuladores ocorre em paralelo ao feito em solos comuns.

O cultivo

Os simuladores são preparados a partir de dados que vêm sendo colhidos desde 1965, quando os primeiros registros visuais e atmosféricos do planeta foram feitos pela sonda Mariner 4. “Em Marte, há vários tipos de sedimentos e nós utilizamos um simulador de solo chamado MGS-1. Ele é baseado na mineralogia que vem sendo estudada por diversas missões, em especial as que contam com rovers – veículos de exploração projetados para se locomover em outros planetas – como o Curiosity, da Nasa”, explica Amaral.

Um diferencial do estudo desenvolvido pelo grupo é justamente a opção por não adquirir mais, de empresas estrangeiras, os modelos prontos. “Com os dados, que vêm se tornando públicos, estamos produzindo o simulador aqui mesmo na Uerj”, orgulha-se.

O Laboratório de Biotecnologia de Plantas (Labplan), coordenado por Albarello, oferece a infraestrutura para os experimentos. Em uma sala de cultivo similar ao que existiria na situação de colonização em Marte, a “terra” preparada é colocada em tubos de ensaio esterilizados para a germinação das sementes. A equipe, então, acompanha o crescimento das plantas e ordena os achados para que novos ciclos possam ser realizados.

Mas esse processo não é simples. “Estamos falando de um planeta que não tem cobertura de vida como há aqui na Terra. A matéria orgânica não existe como nos solos daqui; ele é extremamente pobre em termos de nutrientes. Assim, uma série de mecanismos e técnicas vêm sendo empregados para que a gente tenha sucesso na germinação e crescimento das plantas”, lembra Amaral.

Astrobiologia na Uerj

A Astrobiologia é um campo de estudos relativamente recente, tendo como marco a abertura de um departamento dessa área pela Nasa, também em 1965. O Brasil se filiou ao Nasa Astrobiology Institute (NAI) em 2011 e, desde então, as atividades na área se intensificaram no país com a criação de grupos de pesquisa e diretórios no CNPq.

“Até por volta de 1998, esse tipo de questão era tratado pela Exobiologia – algo como a busca de vida fora da Terra. A Astrobiologia parte do entendimento da vida em nosso planeta como modelo para compreendermos a vida fora daqui”, define Amaral. Para Norma Albarello, o estudo torna-se essencial no âmbito da Uerj dada a relevância do estabelecimento dessa linha de pesquisa no Brasil. “É uma área multidisciplinar que já possui muitos avanços no mundo inteiro, envolvendo o apoio das agências espaciais”, diz.

Amaral lista iniciativas importantes em Pernambuco, no Paraná e em São Paulo, mas destaca o trabalho da Uerj devido ao seu caráter empírico e não apenas teórico-especulativo. O cultivo nos simuladores produzidos pelo NGA traz uma noção mais palpável em torno das condições de cultivo de plantas terrestres em solo marciano.

Dificuldades e expectativas

Um dos maiores entraves para esse tipo de pesquisa, e isso não é exclusividade da Uerj, é a falta de um programa espacial que se assemelhe àquilo que existe, há décadas, em países como China, Rússia ou EUA. Isso se agrava tendo em vista os cortes em investimentos em pesquisa e tecnologia ocorridos na gestão federal anterior. “Como não temos uma agência espacial muito consolidada, estamos caminhando aos poucos”, afirma Amaral.

Apesar disso, o professor se mostra otimista, levando em conta a reativação do Centro de Lançamento de Alcântara, no Maranhão. A plataforma foi utilizada em março deste ano para o lançamento de um foguete sul-coreano, inserindo o Brasil em um efervescente e especulativo mercado internacional de transportes espaciais.

Há ainda a proposta de realizar testes com os simuladores de solo marciano na Antártica, aproveitando a participação do professor no projeto Criosfera 1, estação de pesquisa instalada no continente. Ele acredita que seria um passo natural no estudo: “Se pensarmos nas condições de Marte, com baixa umidade e temperatura extrema, não existe melhor simulador das condições marcianas do que a nossa Antártica”, assegura.