Mulheres na ciência: Iesp-Uerj divulga dados reveladores sobre a desigualdade de gênero na pós-graduação brasileira

08/03/202311:42

Diretoria de Comunicação da Uerj

Cada vez mais presentes em todas as áreas do conhecimento, as mulheres ainda enfrentam barreiras para se equipararem aos homens em termos quantitativos na ciência no Brasil. É o que revela o levantamento feito pelo Grupo de Estudos Multidisciplinares da Ação Afirmativa (Gemaa), do Instituto de Estudos Sociais e Políticos (Iesp), da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), como parte do projeto Diversidade na Ciência Brasileira.

Disponibilizados recentemente na plataforma online criada pelo Gemaa, os resultados da pesquisa, que se baseou em dados da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e tem o apoio do Instituto Serrapilheira, apontam que há uma diminuição do contingente de mulheres à medida que as carreiras progridem, o que é chamado de “efeito tesoura”. Na maior parte dos campos do conhecimento, é possível identificar a queda em participação do grupo com o avanço em estágios profissionais.

Por outro lado, houve um aumento geral, ainda que discreto, da participação das mulheres com mestrado (2%), doutorado (3%) e na docência (5%) em diversas áreas do conhecimento no país, de 2004 a 2020. Apesar disso, em apenas 34% das áreas as mulheres alcançam equidade ou são maioria entre docentes da pós-graduação.

“Tivemos avanços recentes na ampliação da pós-graduação no Brasil, que foram seguidos, ainda que de modo bastante modesto, por uma preocupação em relação à diversificação. Isso levou a um aumento, também modesto, da participação das mulheres com doutorado em diversas áreas no Brasil”, avalia o coordenador do Gemaa, Luiz Augusto Campos. “É preciso lembrar que o funil para entrar na docência de uma pós-graduação é muito mais estreito e muito mais injusto com as mulheres do que, por exemplo, para conseguir um doutorado”, diz.

Desigualdade por áreas

Outro dado a ser observado pelo levantamento se refere à relação mestrado-doutorado-docência de acordo com as áreas do conhecimento. Nesse caso, é possível observar que ainda há uma desigualdade grande de gênero quando se compara o contingente de mulheres nas chamadas “ciências duras”, tais como Física, Matemática e Engenharias, tidas como “masculinas”, e aquelas tidas como “femininas”, como Nutrição, Enfermagem e Serviço Social.

No entanto, como destaca a professora do Instituto de Ciências Sociais (ICS) e coordenadora acadêmica do Núcleo de Estudos sobre Desigualdades e Relações de Gênero (Nuderg) da Uerj, Clara Araújo, também nessas carreiras tem havido um incremento na presença feminina. “A Matemática é um campo em que a docência feminina cresceu, mas, tanto no mestrado quanto no doutorado e na docência, a diferença entre homens e mulheres ainda é muito grande. Na Medicina, há também uma diferença, mas já temos 45% de docentes mulheres, ao passo que, em 2004, elas eram 36%. Nas Engenharias, a docência na pós-graduação era baixa em 2004, 18%, e em 2020 subiu para 23%. Na área de Ciências Biológicas, temos quase 50% de mulheres”, comenta. “É por isso que é preciso incentivar desde cedo as meninas a se interessarem pelas ditas ‘ciências duras’ e os meninos a irem para carreiras consideradas femininas, porque isso terá uma repercussão na socialização das próximas gerações”.

Gulnar Azevedo, do Instituto de Medicina Social (IMS) da Uerj

De acordo com a professora Gulnar Azevedo, do Instituto de Medicina Social Hesio Cordeiro (IMS) da Uerj, o número de mulheres vem aumentando rapidamente na carreira médica. Com base no estudo “Demografia Médica no Brasil”, de 2020, ela afirma que, apesar de os homens ainda serem a maioria dos médicos no país, essa proporção vem diminuindo gradativamente. “Em 2020, as mulheres representavam 46,6% do total, enquanto em 1990 perfaziam 30,8%. Nos grupos mais jovens, as mulheres já atingiam a maioria em 2020, em contraste com os acima de 70 anos, em que os homens chegam a 79%. Esse fato indica um maior acesso das mulheres ao ensino superior, fruto de conquistas sociais travadas ao longo do tempo em nossa sociedade, historicamente patriarcal e machista”, ressalta Gulnar. Em 2022, ela foi uma das vencedoras do 3º Prêmio Carolina Bori Ciência & Mulher, da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), na categoria dedicada às pesquisadoras de instituições nacionais que prestam relevantes contribuições à ciência e à gestão científica.

Barreiras na carreira acadêmica

Clara Araújo, do Núcleo de Estudos sobre Desigualdades e Relações de Gênero da Uerj

Apesar dos avanços, o levantamento do Gemaa mostra que a diminuição das desigualdades de gênero na ciência vem ocorrendo de forma lenta, indicando que ainda há barreiras a serem transpostas pelas pesquisadoras. Uma das questões mais discutidas atualmente no meio acadêmico é a da maternidade, vista como um dificultador para a entrada ou permanência de mulheres na pós-graduação.

“A maternidade é um elemento realmente interveniente e em muitos lugares o número de filhos diminui porque as mulheres não conseguem compatibilizar com a carreira acadêmica. Mas não é só: o número de horas com que os homens – pensando nos casamentos majoritariamente heterossexuais – se envolvem nas atividades domésticas é muito pequeno comparativamente à carga que sobra para as mulheres”, frisa Clara Araújo, que traz à baila uma outra barreira: “A ideia do cuidado é algo ainda muito marcado pelo gênero. Há mulheres que não têm filhos, mas, em geral, são elas as responsáveis por cuidar de doentes e idosos, o que interfere na carreira acadêmica também”.

Iniciativas buscam diminuir desigualdades

Embora políticas de incentivo venham sendo pensadas para apoiar as mães cientistas, como a licença-maternidade instituída em 2011 pela Capes, que prevê o pagamento integral das bolsas de pesquisa às mestrandas e doutorandas pelo período de quatro meses, essas iniciativas ainda são insuficientes. Por isso, o movimento brasileiro Parent in Science, do qual faz parte a professora Eugenia Zandoná, do Instituto de Biologia Roberto Alcantara Gomes (Ibrag), da Uerj, vem lutando por políticas de apoio para que as mães cientistas não tenham que escolher entre a carreira e a maternidade. O grupo venceu uma importante premiação em 2021, o Nature Research Awards for Inspiring Woman in Science, na categoria destinada à Divulgação Científica. 

Na Uerj, o Grupo de Trabalho (GT) de Mães Cientistas, que conta com a participação de integrantes do Parent in Science, teve relevante atuação na sugestão de ações de suporte às demandas das mulheres mães. O assunto gerou a publicação do Ato Executivo de Decisão Administrativa (Aeda) 80/2020, que amplia o período de contagem de pontos no processo seletivo para o Programa de Incentivo à Produção Científica, Técnica e Artística (Prociência). Além disso, o impacto da maternidade em diferentes frentes vem sendo considerado em editais internos, processos seletivos e progressão funcional, como nas avaliações do Prociência e do Banco de Produção Científica (BPC).

O pró-reitor de Pós-Graduação e Pesquisa (PR2) da Uerj, Luis Antonio Mota, sublinha que a busca pela equidade de gênero na pós-graduação na Uerj está em sintonia com a cultura inclusiva da Universidade, que foi pioneira em outras ações de mitigação das desigualdades, como a política de cotas raciais e sociais para alunos da graduação. “A busca pela equidade de gênero não é uma preocupação; é uma realidade na Uerj. Não é de hoje que as mulheres vêm ocupando cargos de liderança. Por exemplo, dos seis últimos mandatos de pró-reitores na PR2, quatro foram de mulheres”, lembra ele, acrescentando que o percentual total de docentes da Uerj atualmente é de 49% de mulheres e 51% de homens. “Já quando vemos o número de bolsistas do Prociência, constatamos que a presença feminina é maior: em 2022, tivemos 56,3% de mulheres e 43,7% de homens”, afirma.

Mota destaca ainda que os três representantes da Uerj na Academia Brasileira de Ciências (ABC) como membros titulares são mulheres: as professoras Eliete Bouskela e Thereza Christina Barja Fidalgo, do Ibrag, e Monica da Costa Pereira Lavalle Heilbron, da Faculdade de Geologia. “Ser membro da ABC é o ápice da carreira científica, é a maior honra que um cientista pode ter. Isso demonstra a força da presença das mulheres da Uerj na ciência”, orgulha-se.