Diretoria de Comunicação da Uerj

Por indicação do Ministério Público Federal (MPF), a Uerj assumiu a coordenação da elaboração de um novo projeto para as obras de contenção e recuperação do Rio Bracuí, em Angra dos Reis, cidade localizada na região fluminense da Baixada da Ilha Grande. O projeto original havia sido iniciado pelo município em fevereiro de 2024, após as graves inundações ocorridas em dezembro de 2023, que causaram duas mortes, deixaram mais de 300 desabrigados e afetaram milhares de moradores.
O embargo judicial da obra original foi realizado a pedido do próprio Ministério Público, ainda no primeiro semestre de 2024. A Uerj foi oficialmente inserida no caso por meio da renovação de um convênio com o MPF, assinado na segunda metade de 2024.
De acordo com o professor Enrico Pedroso, da Faculdade de Geologia (Fgel) da Uerj, e coordenador do convênio com o MPF, a Universidade foi acionada para realizar um diagnóstico técnico e social do caso envolvendo o rio Bracuí. “A Uerj entrou nesse processo quando as obras já estavam embargadas. É importante deixar claro que a Universidade não é responsável pelo embargo, mas foi chamada para, com base em critérios técnicos e científicos, apresentar uma solução que garanta a segurança da população e a integridade do rio”, explica Pedroso.
Cronologia e atuação da Uerj
As fortes chuvas de dezembro de 2023 provocaram enchentes históricas no Rio Bracuí, afetando especialmente o Quilombo Santa Rita do Bracuí e o bairro Bracuí. Em fevereiro de 2024, a prefeitura deu início a obras emergenciais. Em março do mesmo ano, o MPF entrou com uma ação civil pública pedindo a suspensão da intervenção, apontando, entre outros problemas, a ausência de licenciamento ambiental adequado e a inadequação técnica do projeto. A Justiça Federal deferiu o pedido e embargou as obras, permitindo apenas atividades de limpeza do leito do rio (desassoreamento).
Em novembro de 2024, a Uerj realizou sua primeira vistoria técnica, já com o convênio junto ao Ministério Público renovado, e apresentou um relatório preliminar ao MPF. Em junho de 2025, teve início oficialmente o diagnóstico e elaboração de um novo projeto básico pela Universidade, com previsão de conclusão para 16 de dezembro de 2025. Por determinação judicial, o contrato foi firmado com a prefeitura do município, e envolve mais de 30 pesquisadores da Uerj, incluindo professores e bolsistas de diversas unidades acadêmicas.
Abordagem multidisciplinar

Especialistas da Faculdade de Geologia (Fgel), Faculdade de Engenharia (FEN), Instituto de Biologia Roberto Alcantara Gomes (Ibrag) e Instituto de Ciências Sociais (ICS), todos da Uerj, dão um caráter multidisciplinar ao trabalho. “Pela primeira vez, a Uerj está realizando um projeto que integra diferentes centros setoriais e unidades acadêmicas. É um caso emblemático de como a Universidade pode contribuir para soluções sustentáveis que unam conhecimento técnico e engajamento social”, destaca o professor Pedroso.
O levantamento inclui mapeamentos tridimensionais e modelagem topográficos de alta resolução, análises da qualidade da água e organismos, estudos geotécnicos, estudos ecológicos para a revegetação e estudos hidrológicos, além da avaliação dos impactos sociais sobre as comunidades tradicionais da região, como quilombolas, caiçaras e indígenas. “Entre os objetivos estão a ‘renaturalização’ do rio, com ações de revegetação das margens e recuperação da sua sinuosidade original, devolvendo equilíbrio ao ecossistema”, completa ele.
Problemas apontados no projeto original

Os pesquisadores da Uerj identificaram uma série de problemas no projeto executado pelo município. Entre eles, a construção de paredões de rochas (enrocamento) em cerca de 80% a 90% em um trecho de 9 km do rio, o que, segundo Pedroso, alterou drasticamente a dinâmica natural do curso d’água.
“O projeto inicial retificou o leito, suprimiu ilhas fluviais, alterou meandros e canalizou o rio, aumentando a velocidade da água e elevando os riscos de novos desastres”, relata. Em abril de 2025, durante um novo evento de chuvas fortes, parte dos muros de contenção já havia sido destruída.
Impactos sociais e ambientais
O professor Leonardo Silveira, do Instituto de Ciências Sociais (ICS), ressalta que as obras originais afetaram profundamente as comunidades tradicionais, especialmente o Quilombo Santa Rita do Bracuí. “As intervenções impediram o acesso ao rio, criaram áreas de risco devido à altura e inclinação dos muros e comprometeram a qualidade da água, afetando a pesca, o turismo de base comunitária e o lazer”, explica. “O rio, que era vivo e integrado ao cotidiano dessas populações, está se tornando um canal poluído e perigoso”, complementa Silveira.
Além dos quilombolas, outras comunidades ribeirinhas e moradores da região também foram impactados. Muitas casas foram construídas em áreas de planície de inundação, o que exige soluções que conciliem a segurança hídrica e o respeito às leis ambientais.
Risco Ecológico
Na opinião do professor André Salomão, do Departamento de Engenharia Sanitária e do Meio Ambiente (Desma), da Faculdade de Engenharia (FEN) da Uerj, um dos objetivos da equipe que ele coordena dentro do projeto é analisar o impacto do evento natural das chuvas e das obras emergenciais na qualidade da água do rio.
“Nossa avaliação foca em como essas mudanças afetam as comunidades biológicas que habitam o ecossistema aquático, desde micro-organismos até peixes e anfíbios. O objetivo final é quantificar o risco ecológico e fornecer subsídios para reequilibrar o sistema, promovendo a recuperação da vegetação marginal e a redução da poluição, de modo a permitir que a biodiversidade local possa se restabelecer”, analisa Salomão.
O papel da Uerj na revitalização do Rio Bracuí
A atuação da Uerj no caso do Rio Bracuí reforça o compromisso da Universidade com a produção de conhecimento aplicado à resolução de problemas sociais e ambientais. “O objetivo é proteger vidas e o meio ambiente. Estamos do lado do rio Bracuí e da população”, enfatiza Enrico Pedroso. “Queremos promover a renaturalização do rio, restabelecendo sua sinuosidade e revegetando suas margens, para que ele volte a ser um elemento de vida e não de risco”, aponta.
O relatório final e o projeto básico que a Uerj entregará em dezembro servirão de base para uma nova licitação, que definirá a execução das obras de forma tecnicamente adequada e ambientalmente sustentável. “Até lá, a Universidade segue realizando coletas de dados, análises laboratoriais e diálogos com as comunidades, sempre com foco na segurança da população e na preservação desse importante manancial da Costa Verde”, finaliza Pedroso.
Angra dos Reis é um dos principais polos turísticos do estado do Rio de Janeiro, setor que, junto com a exploração de petróleo, compõe a base econômica fluminense. Em 2021, o município registrou um PIB de R$ 11,19 bilhões, ocupando a 13ª posição no ranking estadual, embora o PIB per capita o coloque na 24ª colocação, refletindo alta desigualdade na distribuição de renda. Com uma população estimada em 179.142 habitantes em 2025, de acordo com o IBGE, a cidade tem 69,95% de sua área urbana coberta por rede de esgoto.
Fotos: Enrico Pedroso
