Festa Literária das Periferias 2023 celebra pioneirismo da Uerj na adoção do sistema de cotas

09/10/202317:16

Diretoria de Comunicação da Uerj

Há duas décadas, a Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), primeira instituição do país a adotar o sistema de cotas em processos seletivos para ingresso na graduação, recebia os alunos selecionados no Vestibular 2003, que destinou 50% das vagas para estudantes do ensino médio de escolas públicas, negros e pessoas com deficiência. Essa iniciativa pioneira, que tornou a Uerj uma referência em política de cotas no Brasil e no exterior, será celebrada na 13ª edição da Festa Literária das Periferias (Flup), que acontece de 12 a 22 de outubro, na Vila Olímpica da Gamboa.

“A entrada dos cotistas na Universidade há 20 anos é um marco importante. E a intenção é celebrar as conquistas, debater os desafios e refletir sobre a significativa contribuição dessas gerações para a sociedade brasileira”, afirma Tiago Gomes, curador da Flup. 

Serão oito mesas-redondas, de 13 a 22 de outubro, no Teatro Betinho e no Auditório Faveleira (Galpão da Ação da Cidadania). Intitulados “Literatura das cotas”, “Percursos e metas das cotas no Brasil”, “Mercado negro”, “Cotas, afetos e o cotidiano nas universidades”, “Universidade: território indígena”, “Lideranças pretas e um afroimaginário de Brasil” e “A disputa da memória e um projeto preto de Brasil”, os debates contarão com a presença de ex-alunos e servidores da instituição.

Entre eles, integrante da mesa de abertura, a pró-reitora de Políticas e Assistência Estudantis da Uerj, Catia Antonia da Silva, ressalta o compromisso da Universidade com as bases populares e os estudantes em condição de vulnerabilidade, já que a política de cotas tem como referência a análise socioeconômica. “Não basta só ser negro, não basta só ser indígena. É preciso demonstrar essa condição socioeconômica, porque o objetivo é realmente trazer as comunidades mais vulneráveis historicamente, do ponto de vista do acesso à universidade, para que esses estudantes estejam conosco. Esse é um ponto de partida que tem muito a ver com a própria proposta da Flup”, diz ela.

Catia, que vai participar ainda da mesa “Cotas e afetos de cotidiano nas universidades”, acredita que os alunos cotistas não apenas tiveram suas vidas impactadas, mas transformaram eles mesmos a Uerj. “Ao mesmo tempo em que eles chegam aqui e vão conhecer o que é uma universidade na indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, nós, professores e pesquisadores da casa, observamos o quanto a própria Uerj mudou”, comenta.

Cotas e literatura

De acordo com o organizador da Flup, o jornalista Julio Ludemir, a política de cotas foi fundamental também para o campo da literatura e, por esse motivo, o tema se afina tão bem à festa literária. “Essa juventude entrou na Uerj e começou a fazer perguntas que a Universidade não sabia responder num primeiro momento e, ao encontrar a resposta, ela se ajusta e produz novos cânones”, conta. “Isso vai repercutir em Djamila Ribeiro, em Conceição Evaristo, na redescoberta de Carolina Maria de Jesus e, quando falamos de festivais literários, temos que atender às novas demandas desse público leitor. É nesse contexto que podemos amadurecer uma geração de poetas do slam, uma poesia periférica cujo protagonismo é marcantemente de mulheres negras, como nunca tivemos na história do país”, acrescenta.

Para Ludemir, vivemos o amadurecimento de uma geração que primeiro mudou o ambiente universitário e agora está modificando o espaço de trabalho. “Essa turma está produzindo desde ministros a pessoas que têm cada vez mais posições e cargos de influência no mercado. Nas empresas e em todos os lugares onde a presença negra era absolutamente nula, hoje em dia está mais do que no campo da obrigação: as pessoas entenderam que é o campo do necessário”, constata.

Além das mesas sobre as cotas na Uerj, a Flup deste ano terá como homenageados Machado de Assis e a Mãe Beata de Iemanjá. O evento também irá comemorar os 15 anos da chegada dos poetry slams (batalhas de poesia falada) ao Brasil e os 50 anos do Hip-Hop no mundo. Na programação, destacam-se ainda a Feira Crespa Tia Ciata, de moda e artesanato, a Arena Machado é Cria, com o palco principal, além da Feira Flup de Livros Mãe Beata de Iemanjá. Shows com artistas como Lecy Brandão, MV Bill e Teresa Cristina encerram os dias no Palco Canudos.

Parceria com a Uerj desde 2014

Cultura das periferias é tema de debates

Criada em 2012 por Ludemir e o escritor e produtor cultural Ecio Salles, a Flup, inicialmente chamada de Festa Literária das UPPs, logo se tornaria Festa Literária das Periferias, com o propósito de promover oficinas literárias, debates, saraus e outras ações em comunidades e favelas do Rio de Janeiro, territórios tradicionalmente excluídos dos programas literários da cidade. O festival também se propõe a publicar livros de escritores oriundos das periferias cariocas, tendo lançado autores hoje célebres como Ana Paula Lisboa, Geovani Martins e Rodrigo Santos.

Como evento internacional, a Flup recebe, desde 2014, slammers de diversos países para o Campeonato Mundial de Poetry Slam, competição de poesia falada. A Uerj participa da atividade desde a primeira edição, por meio do Escritório Modelo de Tradução Ana Cristina César, coordenado pela professora Maria Aparecida Salgueiro, do Instituto de Letras. A parceria surgiu da necessidade de se projetar em um telão as traduções dos poemas falados pelos slammers durante a competição. “Estamos celebrando dez anos de parceria ininterrupta com a Flup nesse trabalho que envolve ensino, pesquisa e extensão e tem toda uma estratégia de tradução intercultural”, conta Maria Aparecida. “Este ano traduzimos 120 poemas de 40 poetas de 40 países diferentes, em produção coletiva, com a participação de bolsistas de graduação, extensão, iniciação científica e seus supervisores”, complementa.

Para esta Flup, o Escritório Modelo traduziu poemas em inglês, espanhol, francês, italiano e japonês. Os textos serão projetados em português e também em inglês – considerada língua franca – para um público de diversas nacionalidades.

Na opinião de Maria Aparecida, a parceria com o festival é parte de um processo de inclusão e aceitação da diversidade. “O envolvimento de tantos estudantes, cotistas ou não cotistas, muitos deles negros, nesse processo de tradução é muito importante para a revisão de vários conceitos das manifestações interculturais na contemporaneidade”, conclui.