Aprovado há 90 anos, voto feminino ainda não garante participação igualitária das brasileiras na política

03/11/202218:19

Diretoria de Comunicação da Uerj

Nesta quinta-feira, 3 de novembro, é comemorado o Dia da Instituição do Direito ao Voto da Mulher. A data remete a 1930, quando foi criado projeto de lei sobre o tema. A garantia de que as mulheres poderiam realmente votar e ser votadas chegou um pouco depois, em fevereiro de 1932, com o Código Eleitoral Brasileiro. Passados 90 anos, no entanto, ainda há muito a progredir no cenário político do país. Nas últimas eleições nacionais, elas representavam 52,7% do eleitorado, mas acabaram ocupando apenas 17,7% das cadeiras da Câmara.

Para entender melhor as raízes históricas em prol do voto feminino e o contexto atual do Brasil, conversamos com a socióloga Clara Maria de Oliveira Araújo, do Instituto de Ciências Sociais da Uerj.

De acordo com a docente, a luta pela aprovação do voto feminino teve grande influência externa. “O fato acompanhou um movimento internacional, principalmente da Inglaterra e dos Estados Unidos, países que tiveram grandes representantes sufragistas. No início do século XX, já vemos mulheres se mobilizando por isso no Brasil. Leolinda Daltro teve um papel importantíssimo. Ela era professora e fazia um trabalho humanitário com indígenas. Muito à frente do seu tempo, criou o Partido Republicano Feminino e foi uma das precursoras do movimento”, explica.

A socióloga ressalta também a relevância de Bertha Lutz, assim como da Federação das Mulheres Brasileiras. “Elas pertenciam à elite, tinham mais acesso ao estudo, viajavam para fora do país e voltavam com essa influência das lutas. Sua participação foi importante também em grupos sociais e movimentos coletivos de caridade, porque lidavam com questões relacionadas à vida cotidiana”, acrescenta.

Clara Maria destaca ainda que a luta foi mal recebida por diferentes atores da sociedade. “Essas mulheres começaram a articular a movimentação com alguma repercussão na imprensa, mas inicialmente sofreram muita resistência. Havia uma forte característica contestatória, pois elas eram vistas como desobedientes, histéricas, pela sociedade brasileira muito conservadora de então”.

Por outro lado, houve resultados positivos: “Como essa luta era travada por mulheres letradas, liberais e progressistas, elas conseguiam abertura junto à elite política, adentrando certos espaços para fazer pressão e conversar sobre o voto”.

Para a pesquisadora, é relevante também analisar o contexto político do país na época. “A gente tinha um país polarizado. De um lado, uma política coronelista, oligárquica, ligada ao Brasil agrário; do outro, Getúlio Vargas, montando um projeto mais próximo a forças urbanas, a setores médios e trabalhadores. Esse cenário ajuda a explicar a incorporação do direito ao voto no Código Eleitoral. De certa forma, o presidente atingiria mais uma parcela da sociedade. Ele queria conquistar o voto das trabalhadoras urbanas”, observa.

Mulheres na política

Além do direito ao voto, as mulheres também passaram a poder se candidatar. Nesses 90 anos, algumas iniciativas foram implementadas, com o objetivo de melhorar a representatividade feminina na política. Ainda assim, nas últimas eleições, apenas 34,7% das candidaturas para a Câmara dos Deputados, em Brasília, foram femininas.

“Esse número de quase 35% já é fruto de muitas iniciativas que foram adotadas ao longo dos últimos 25 anos. Além do percentual mínimo exigido em lei, existem alguns movimentos de parlamentares mulheres que conseguem incluir nas reformas eleitorais cota para financiamento de campanha ou no tempo da propaganda eleitoral. E agora, a partir desse ano, começou a valer algo que é muito inovador e importante: o estímulo de contagem em dobro dos votos das mulheres na hora de distribuir os recursos do Fundo Eleitoral”, esclarece.

Na opinião da professora, é preciso investir ainda em outras ações para aumentar o percentual feminino de candidatas eleitas. “Primeiramente, o incentivo deve vir dos partidos políticos, porque não se constrói uma candidatura de um dia para o outro, no ano da eleição. Essa é uma questão de médio prazo. É preciso investimento, além de um olhar para mulheres que não estão na política partidária, institucional, mas sim em outras áreas da política, como associações de moradores e sindicatos. Também existem estudos sendo feitos sobre a importância de ter mulheres nos cargos dirigentes dos partidos”, comenta.

O segundo ponto importante, de acordo com a professora, é colocar na agenda pública a questão da candidatura feminina. “É preciso que as campanhas estejam na televisão. Tem que chamar mais pessoas, não apenas mulheres, como também negros. Isso ajuda a atrair a atenção para a importância da política. Nos Estados Unidos, há colégios fazendo investimentos para mostrar às meninas que elas também podem. É a representação simbólica, pois se você não vê ali alguém que tem o seu perfil representado, você pensa que aquilo é inacessível. É preciso familiarizar o poder para todos, incentivando essa formação desde a adolescência”, conclui.