Ambulatório de Transdiversidade do Hupe-Uerj comemora um ano de atendimento à população transgênero do Rio

16/05/202318:15

Diretoria de Comunicação da Uerj

Acolher, orientar, tratar e acompanhar a população transexual, transgênero e travesti do Rio de Janeiro. Com essas prerrogativas, há um ano, no Dia Internacional contra a Homofobia, o Identidade – Ambulatório de Transdiversidade iniciava suas atividades no Hospital Universitário Pedro Ernesto (Hupe) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, oferecendo a esses pacientes a possibilidade de serem atendidos pelo Sistema Único de Saúde.

Para comemorar a data, o ambulatório realiza, nesta quarta, 17 de maio, no auditório 111 do campus Maracanã da Uerj, o “I Seminário do Identidade – Ambulatório de Transdiversidade: desafios e possibilidades no SUS”. A proposta é discutir a necessidade de ampliação do acompanhamento especializado na rede pública de saúde. O encontro vai contar com a participação de representantes de diversas instituições, entidades e movimentos sociais ligados à temática.

A criação do ambulatório veio pôr em prática duas resoluções determinantes para o acesso da população transgênero aos serviços de saúde. A primeira delas é a Portaria nº 2.803, de 19 de novembro de 2013, do Ministério da Saúde, que redefiniu e ampliou o Processo Transexualizador no Sistema Único de Saúde (SUS), garantindo a integralidade da atenção a transexuais e travestis por meio das modalidades ambulatorial e hospitalar. A segunda, foi o posicionamento da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM), em 2019, sobre medicina diagnóstica inclusiva e os cuidados de pacientes transgêneros. “O objetivo principal do Identidade é fazer acompanhamento clínico. Não é um ambulatório que visa ao procedimento cirúrgico, que já existia no Hupe”, explica o professor e endocrinologista do Hupe Rogério Bosignoli.

Equipe multidisciplinar do Identidade

Contando atualmente com uma equipe de 28 profissionais de mais de dez especialidades – endocrinologia, ginecologia, urologia, fonoaudiologia, psicologia, psiquiatria, serviço social, dermatologia, enfermagem, advocacia e pedagogia, entre outras parcerias –, o ambulatório acolhe pacientes a partir dos 10 anos de idade. Já a terapia hormonal, se for o caso, pode ser iniciada aos 16 anos.

“A transgeneridade é autorreferida, não é um diagnóstico médico. Não é necessário fazer modificação corporal para ser uma pessoa trans”, afirma Carolina Cunha, uma das endocrinologistas do Identidade. “Fazemos o acolhimento integral dessas pessoas e avaliamos quais são as demandas. Há pessoas que só querem fazer modificação vocal. Outras que querem fazer tratamento dermatológico. Apresentamos ao paciente todos os profissionais da equipe e depois ele permanece em acompanhamento só por aqueles com os quais houver de fato uma demanda”, acrescenta.

Atendimento especializado

O Identidade começou como um projeto de pesquisa, voltado inicialmente às pessoas que já eram atendidas no hospital e, a partir de agosto de 2022, o ambulatório passou a ser regulado pela Secretaria Estadual de Saúde. A  triagem inicial é feita pelas Clínicas da Família, de onde os pacientes são encaminhados para uma fila e, finalmente, para o ambulatório. Como no estado do Rio só existem dois serviços habilitados pelo Ministério da Saúde – o Identidade, do Hupe, e o do Instituto Estatual de Diabetes e Endocrinologia (Iede) –, uma vez que o paciente é inserido na fila da Clínica da Família, ele pode ser designado para qualquer um desses dois serviços.

Uma das especialidades mais procuradas é a de fonoaudiologia. Segundo Rodrigo Dornelas, fonoaudiólogo do Identidade, especialista em performance vocal de pessoas trans e travestis, a voz é um marcador extremamente importante no processo de transição. “Os homens trans são mais beneficiados com o tratamento hormonal nas modificações vocais. Já as mulheres trans e as travestis não são quase nada beneficiadas com a hormonização e isso gera uma demanda muito grande. Procuro trabalhar as especificidades de cada caso com exercícios fonoaudiológicos”, descreve ele, que atende em média 30 pacientes por mês, com predominância de mulheres trans, em uma faixa etária de 25 a 35 anos.

Dornelas conta que uma das maiores alegrias vivenciadas no trabalho no Identidade foi saber, de uma mulher trans, que ela estava sofrendo menos transfobia após o tratamento. “É muito gratificante ouvir relatos de pessoas que estão conseguindo construir uma voz saindo desse paradigma heteronormativo de que mulher tem que ter voz aguda e homem tem que ter voz grave. Fico muito satisfeito por estar contribuindo minimamente com essa população de algum modo”, diz.

Mais inclusão, menos transfobia

Carolina destaca que todos os tratamentos seguem as normas do Conselho Federal de Medicina, o que proporciona segurança aos pacientes. “Como existem poucos serviços referenciados no país, em geral eles começam a utilizar hormônios sem acompanhamento, com base nas informações das redes sociais, e sabemos que isso é muito perigoso”, alerta. “Além disso, no Identidade, os profissionais utilizam os pronomes corretos e respeitam o nome social. É por isso que montamos uma equipe multidisciplinar, pois esses pacientes muitas vezes têm demandas para além da hormonização, mas ficam apreensivos porque já sofreram violências prévias”, observa.

Carlos Eduardo Madalena faz acompanhamento clínico no Identidade

A preocupação da endocrinologista é justificável. Segundo o dossiê “Posicionamento conjunto – Medicina diagnóstica inclusiva: cuidando de pacientes transgênero”, publicado este ano pela Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), a expectativa de vida no Brasil de uma pessoa trans é de 35 anos. E, pelo 14º ano consecutivo, o país é o que mais assassina essa população no mundo.

“É uma situação muito séria e precisamos tratar disso com mais carinho e interesse pelos profissionais de saúde. Essa temática também precisa ir para os cursos de graduação, para já formarmos profissionais com uma cabeça diferente”, defende Carolina.

Carlos Eduardo do Vale Madalena, de 38 anos, homem trans que trabalha como segurança na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj), aguarda a cirurgia de mastoplastia masculinizadora e vem fazendo o acompanhamento clínico no Identidade. Ele elogia o acolhimento do ambulatório, especialmente quando começou a terapia hormonal. “Foi o momento em que eu fiquei mais nervoso, mas a equipe do Identidade me atendeu com muito cuidado, respeito e empatia. Ali a gente pode rir, chorar, gritar, mostrar quem a gente é, pois eles estão do nosso lado. Hoje eu sou um novo homem, um novo ser humano, e sou muito grato”, enaltece.