Ambulatório da Uerj completa sete anos de atendimento multidisciplinar para crianças com síndrome de Down

04/10/202318:31

Diretoria de Comunicação da Uerj

 

Criado há sete anos, o Ambulatório Multidisciplinar de Atendimento à Criança com Síndrome de Down (Ambdown) vem se destacando pelo serviço médico especializado e atendimento humanizado. Instalado no Hospital Universitário Pedro Ernesto (Hupe), da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), o ambulatório é a única referência no estado com oferta gratuita de atenção multidisciplinar à saúde de crianças com essa condição.

Aldilene e o pequeno Carlos Daniel

“Nunca tive parentes ou amigos com síndrome de Down. Era algo bem distante da minha realidade. O Ambdown foi o meu chão”, relata a dona de casa Aldilene da Silva Santos Alves, 33, sobre a importância do ambulatório em sua vida, após o nascimento de Carlos Daniel, atualmente com dois anos. Ele apresenta a trissomia do cromossomo 21, característica responsável por essa condição sindrômica.

Aldilene descobriu a existência do ambulatório após o diagnóstico de Carlos, na maternidade do Hupe, em uma conversa com a médica geneticista Raquel Tavares Boy, coordenadora acadêmica e científica do Ambdown. “Eu chorava demais e ela perguntou por que eu estava daquele jeito. Era porque não tinha condições de arcar com os custos de terapia, médico; não sabia que caminho percorrer para cuidar do meu filho. Então ela me explicou sobre o ambulatório”, lembra.

Daniele e o filho Rafael em atendimento

Duas características são destacadas pelos profissionais e pacientes atendidos pelo serviço: a multidisciplinaridade e o cuidado com o atendimento humanizado das famílias. “O acolhimento foi o que mais gostei, porque o emocional influencia muito. A gente chega abalada, e a equipe explica calmamente o que é a síndrome, dá esperança. Isso me tranquilizou bastante”, destaca Daniele Cabral, 42, dona de casa e mãe de Rafael, de dois anos.

A clínica acolhe os pacientes até completarem três anos de idade. A pediatra Anna Paula Baumblatt, coordenadora da unidade, explica que é geralmente nesse intervalo que são identificadas as principais comorbidades associadas, como cardiopatias ou predisposição para a obesidade. Contudo, quando existe maior complexidade, a equipe prolonga o acompanhamento com ao menos uma consulta anual daquele paciente.

Referência multidisciplinar

Dentre as especialidades trabalhadas, além de pediatria e genética médica, estão nutrição e fisioterapia. A nutricionista Alice Valente explica que, além de orientar os pais sobre a alimentação mais adequada para as crianças, sua função é acompanhar possíveis dificuldades de ingestão dos alimentos e controle de peso.

“Às vezes, atendemos crianças com um ano que, por falta de orientação dos pais, recebem alimentação com açúcar. Eles também engrossam leite com suplementos, o que pode causar uma elevação no colesterol ou excesso de peso”, afirma. Por outro lado, Valente ressalta que a criança pode ficar abaixo do peso ou ter desnutrição ao apresentar disfagia – dificuldade de deglutir alimentos. Nesse caso, pode ser necessário um suporte adicional de outras especialidades, como a fonoaudiologia.

O Ambdown também avalia o desenvolvimento motor das crianças e orienta as famílias sobre os cuidados e estímulos necessários para os pacientes no domicílio, conforme explica a fisioterapeuta Edneusa Flor. Ela diz que um dos principais problemas de saúde que afligem os pacientes é a hipotonia – fraqueza muscular que afeta braços, pernas, tronco, cervical e cabeça. “Fazemos esse fortalecimento global de acordo com os marcos do desenvolvimento, que são individuais para cada criança, para que essa evolução ocorra de forma mais sucinta, efetiva, facilitando a inserção social”, destaca.

Anna Paula Baumblatt e Raquel Boy, idealizadoras do projeto

A equipe se esforça para lidar com a grande demanda recebida. Segundo Raquel Boy, que também é professora do Departamento de Pediatria da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Uerj, existe uma fila com ordem de prioridade – primeiro bebês, depois crianças que nasceram no Hupe ou que já são atendidas no hospital, seguidas de pacientes que vêm de maternidade pública. Responsável pela genética médica no Hupe, Raquel foi uma das idealizadoras do Ambdown, junto com a professora Anna Baumblatt, e assumiu a coordenação acadêmica e científica do projeto.

“Priorizamos sempre os pacientes com poucos recursos. A busca é alta, é uma condição sindrômica muito prevalente e os cuidados são fragmentados, aqui é a oportunidade de juntarmos tudo”, relata Raquel.

A pequena Pérola Eloá, de um 1 ano e meio, chegou para a primeira consulta no Ambdown após uma espera de quase quatro meses. “Ela nasceu no Hospital Estadual da Mãe, em Mesquita. Fomos atrás de vários hospitais na Baixada Fluminense, mas nenhum deles tinha serviço de reabilitação para crianças com síndrome de Down. Então foi uma alegria muito grande quando finalmente recebemos a confirmação da consulta, estou quase flutuando de felicidade”, relatou o avô de Pérola, Lúcio Pereira, enquanto a neta recebia o atendimento.

Anna explica que quando um paciente procura o Ambdown via e-mail, recebe automaticamente um questionário. Após ser preenchido, a equipe se informa sobre a família interessada no serviço e organiza a fila com as prioridades. Entre outras informações, verificam se o paciente vem de uma maternidade pública, se os pais têm convênio e seu nível de formação.

Diagnóstico e adaptação

A pediatra ressalta que a síndrome de Down não é considerada doença, mas sim uma condição genética que acompanha outras questões de saúde. Por isso, a multidisciplinaridade é importante, pois permite que várias especialidades possam conduzir um tratamento de forma conjunta.

Em cerca de 95% dos casos, as mães só recebem o diagnóstico após o nascimento, afirma a médica. Como nem sempre essa comunicação é realizada de forma empática, muitos pais se sentem desamparados e buscam informações na internet, à procura de terapias ou entendimento sobre a condição. Por isso, podem ser vítimas de desinformação com promessas de curas e tratamentos sem embasamento científico, ressalta a pediatra.

Para Anna, a comunicação empática do diagnóstico funciona como primeiro ato terapêutico. “É importante compreender que será uma criança com deficiência, o que isso significa para a vida dessas pessoas. Há um período de adaptação e reconhecimento do diagnóstico. Quando ele é dado de forma incorreta – por exemplo, em uma sala de parto, quando a mãe está sozinha – acaba provocando um trauma inicial”, afirma a médica.

Alguns familiares precisam de acompanhamento psicológico para trabalhar a questão da aceitação, ressalta Anna, pois muitos sofrem ao tentar normalizar e apagar a síndrome de Down, que sempre estará presente. Para Raquel, os pais devem passar por um processo de compreensão de que cada criança é única e terá uma trajetória diferente em seu desenvolvimento.

“É preciso entender e ver as janelas de oportunidades, saber até onde a pessoa vai. Não diminuindo aquele indivíduo, mas ao mesmo tempo não gerando expectativas irreais. Há pacientes que têm uma inserção melhor na sociedade. Mas isso é multifatorial, depende das condições socioeconômicas, do meio em que vive, sua saúde e dele próprio. Não se deve homogeneizar”, explica.

Cuidados nas redes e reforço da equipe

Nas mídias sociais, o Ambdown possui um perfil no Instagram. Por lá, além de alguns registros da rotina de atendimentos – sempre com o termo de autorização assinado pelos pais, que também gostam de seguir as postagens – a equipe também procura alertar os seguidores sobre notícias falsas e aproveitam para corrigi-las, oferecendo informações baseadas em evidências científicas.

Natany, estudante da Faculdade de Ciências Médicas

O trabalho de acolhimento e orientação do Ambdown muitas vezes conta com o auxílio dos estagiários dos cursos de saúde da Uerj, bolsistas ou voluntários. É o caso de Natany Ezequiel Santos, do quinto ano de Medicina, para quem o contato com os pacientes e familiares permite um aprendizado humanizado. Ela é a responsável pela agenda de atendimentos após o contato inicial por e-mail e conversa por WhatsApp com as famílias para marcar os encontros seguintes.

“Sempre penso que, independentemente da área em que eu for me especializar, há a probabilidade de eu ter pacientes com síndrome de Down ou condições similares. Como muitas vezes os pais vêm preocupados, acho muito importante saber como informar e tranquilizar. Cada criança tem seu tempo para desenvolver suas aptidões”, acrescenta.