Uerj assume elaboração de novo projeto para obras no Rio Bracuí, no município de Angra dos Reis, por indicação do MPF

30/10/202514:59

Diretoria de Comunicação da Uerj
Foz do Rio Bracuí, em Angra dos Reis

Por indicação do Ministério Público Federal (MPF), a Uerj assumiu a coordenação da elaboração de um novo projeto para as obras de contenção e recuperação do Rio Bracuí, em Angra dos Reis, cidade localizada na região fluminense da Baixada da Ilha Grande. O projeto original havia sido iniciado pelo município em fevereiro de 2024, após as graves inundações ocorridas em dezembro de 2023, que causaram duas mortes, deixaram mais de 300 desabrigados e afetaram milhares de moradores.

O embargo judicial da obra original foi realizado a pedido do próprio Ministério Público, ainda no primeiro semestre de 2024. A Uerj foi oficialmente inserida no caso por meio da renovação de um convênio com o MPF, assinado na segunda metade de 2024.

De acordo com o professor Enrico Pedroso, da Faculdade de Geologia (Fgel) da Uerj, e coordenador do convênio com o MPF, a Universidade foi acionada para realizar um diagnóstico técnico e social do caso envolvendo o rio Bracuí. “A Uerj entrou nesse processo quando as obras já estavam embargadas. É importante deixar claro que a Universidade não é responsável pelo embargo, mas foi chamada para, com base em critérios técnicos e científicos, apresentar uma solução que garanta a segurança da população e a integridade do rio”, explica Pedroso.

Cronologia e atuação da Uerj 

As fortes chuvas de dezembro de 2023 provocaram enchentes históricas no Rio Bracuí, afetando especialmente o Quilombo Santa Rita do Bracuí e o bairro Bracuí. Em fevereiro de 2024, a prefeitura deu início a obras emergenciais. Em março do mesmo ano, o MPF entrou com uma ação civil pública pedindo a suspensão da intervenção, apontando, entre outros problemas, a ausência de licenciamento ambiental adequado e a inadequação técnica do projeto. A Justiça Federal deferiu o pedido e embargou as obras, permitindo apenas atividades de limpeza do leito do rio (desassoreamento).

Em novembro de 2024, a Uerj realizou sua primeira vistoria técnica, já com o convênio junto ao Ministério Público renovado, e apresentou um relatório preliminar ao MPF. Em junho de 2025, teve início oficialmente o diagnóstico e elaboração de um novo projeto básico pela Universidade, com previsão de conclusão para 16 de dezembro de 2025. Por determinação judicial, o contrato foi firmado com a prefeitura do município, e envolve mais de 30 pesquisadores da Uerj, incluindo professores e bolsistas de diversas unidades acadêmicas.

Abordagem multidisciplinar 

Equipe da Uerj e integrantes da Defesa Civil de Angra dos Reis

Especialistas da Faculdade de Geologia (Fgel), Faculdade de Engenharia (FEN), Instituto de Biologia Roberto Alcantara Gomes (Ibrag) e Instituto de Ciências Sociais (ICS), todos da Uerj, dão um caráter multidisciplinar ao trabalho. “Pela primeira vez, a Uerj está realizando um projeto que integra diferentes centros setoriais e unidades acadêmicas. É um caso emblemático de como a Universidade pode contribuir para soluções sustentáveis que unam conhecimento técnico e engajamento social”, destaca o professor Pedroso.

O levantamento inclui mapeamentos tridimensionais e modelagem topográficos de alta resolução, análises da qualidade da água e organismos, estudos geotécnicos, estudos ecológicos para a revegetação e estudos hidrológicos, além da avaliação dos impactos sociais sobre as comunidades tradicionais da região, como quilombolas, caiçaras e indígenas. “Entre os objetivos estão a ‘renaturalização’ do rio, com ações de revegetação das margens e recuperação da sua sinuosidade original, devolvendo equilíbrio ao ecossistema”, completa ele.

Problemas apontados no projeto original 

Projeto inicial retificou o leito e canalizou o rio

Os pesquisadores da Uerj identificaram uma série de problemas no projeto executado pelo município. Entre eles, a construção de paredões de rochas (enrocamento) em cerca de 80% a 90% em um trecho de 9 km do rio, o que, segundo Pedroso, alterou drasticamente a dinâmica natural do curso d’água.

“O projeto inicial retificou o leito, suprimiu ilhas fluviais, alterou meandros e canalizou o rio, aumentando a velocidade da água e elevando os riscos de novos desastres”, relata. Em abril de 2025, durante um novo evento de chuvas fortes, parte dos muros de contenção já havia sido destruída.

Impactos sociais e ambientais 

O professor Leonardo Silveira, do Instituto de Ciências Sociais (ICS), ressalta que as obras originais afetaram profundamente as comunidades tradicionais, especialmente o Quilombo Santa Rita do Bracuí. “As intervenções impediram o acesso ao rio, criaram áreas de risco devido à altura e inclinação dos muros e comprometeram a qualidade da água, afetando a pesca, o turismo de base comunitária e o lazer”, explica. “O rio, que era vivo e integrado ao cotidiano dessas populações, está se tornando um canal poluído e perigoso”, complementa Silveira.

Além dos quilombolas, outras comunidades ribeirinhas e moradores da região também foram impactados. Muitas casas foram construídas em áreas de planície de inundação, o que exige soluções que conciliem a segurança hídrica e o respeito às leis ambientais.

Risco Ecológico

Na opinião do professor André Salomão, do Departamento de Engenharia Sanitária e do Meio Ambiente (Desma), da Faculdade de Engenharia (FEN) da Uerj, um dos objetivos da equipe que ele coordena dentro do projeto é analisar o impacto do evento natural das chuvas e das obras emergenciais na qualidade da água do rio.

“Nossa avaliação foca em como essas mudanças afetam as comunidades biológicas que habitam o ecossistema aquático, desde micro-organismos até peixes e anfíbios. O objetivo final é quantificar o risco ecológico e fornecer subsídios para reequilibrar o sistema, promovendo a recuperação da vegetação marginal e a redução da poluição, de modo a permitir que a biodiversidade local possa se restabelecer”, analisa Salomão.

O papel da Uerj na revitalização do Rio Bracuí

A atuação da Uerj no caso do Rio Bracuí reforça o compromisso da Universidade com a produção de conhecimento aplicado à resolução de problemas sociais e ambientais. “O objetivo é proteger vidas e o meio ambiente. Estamos do lado do rio Bracuí e da população”, enfatiza Enrico Pedroso. “Queremos promover a renaturalização do rio, restabelecendo sua sinuosidade e revegetando suas margens, para que ele volte a ser um elemento de vida e não de risco”, aponta.

O relatório final e o projeto básico que a Uerj entregará em dezembro servirão de base para uma nova licitação, que definirá a execução das obras de forma tecnicamente adequada e ambientalmente sustentável. “Até lá, a Universidade segue realizando coletas de dados, análises laboratoriais e diálogos com as comunidades, sempre com foco na segurança da população e na preservação desse importante manancial da Costa Verde”, finaliza Pedroso.

Angra dos Reis é um dos principais polos turísticos do estado do Rio de Janeiro, setor que, junto com a exploração de petróleo, compõe a base econômica fluminense. Em 2021, o município registrou um PIB de R$ 11,19 bilhões, ocupando a 13ª posição no ranking estadual, embora o PIB per capita o coloque na 24ª colocação, refletindo alta desigualdade na distribuição de renda. Com uma população estimada em 179.142 habitantes em 2025, de acordo com o IBGE, a cidade tem 69,95% de sua área urbana coberta por rede de esgoto.

Fotos: Enrico Pedroso