Urologista da Uerj ressalta a importância do diagnóstico precoce do câncer de próstata

30/11/202316:29

Diretoria de Comunicação da Uerj

O Brasil deve registrar 72 mil novos casos de câncer de próstata por ano de 2023 a 2025, de acordo o Instituto Nacional de Câncer (Inca). Segundo tumor mais comum entre os homens (atrás apenas do câncer de pele não melanoma), trata-se de uma doença inicialmente assintomática. Um dos principais exames utilizados no diagnóstico, o toque retal, ainda é cercado de tabus, o que pode retardar o início do tratamento, diminuindo o tempo de vida dos afetados e aumentando o número de óbitos.

Referência em urologia e no enfrentamento dessa patologia no estado do Rio de Janeiro, o Hospital Universitário Pedro Ernesto (Hupe) da Uerj desenvolve, há décadas, pesquisa de ponta na área, oferecendo cuidado integral aos pacientes. Nesta entrevista, Rui de Teófilo e Figueiredo Filho, professor da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Uerj e urologista do Hupe, aborda diferentes aspectos do câncer de próstata. Ele também comenta a importância das campanhas de conscientização, como o “Novembro Azul”. Confira!

Professor Rui de Teófilo e Figueiredo Filho

O que é o câncer de próstata?

O câncer de próstata é hoje um dos grandes problemas de saúde pública. Sua incidência cresce gradativamente conforme a idade da pessoa, sobretudo a partir dos 50 anos, tendo se tornado mais frequente com o aumento da expectativa de vida e o envelhecimento populacional. A doença acomete a próstata, um órgão do sistema urogenital que fica um pouco abaixo da bexiga, responsável por produzir uma série de substâncias que compõem o sêmen ejaculado. Dessa forma, ela cria as condições favoráveis para o espermatozoide ao longo da sua trajetória até conseguir a fecundação.

Quais são os fatores de risco?

Os dois principais são a idade e a hereditariedade. Sabemos que as pessoas com parentes de primeiro ou segundo grau (pais, irmãos ou tios consanguíneos) que tiveram o câncer têm uma probabilidade até nove vezes maior de também desenvolverem o tumor. Então, é importante que esses homens façam os exames, para eventualmente conseguir diagnosticar a doença em um momento favorável, quando ainda há uma boa chance de cura. A recomendação atual para o início do exame é aos 50 anos de idade na população geral, mas aqueles que têm uma história familiar com o câncer devem começar aos 45.

Algum grupo é mais suscetível ao agravamento da doença?

Na verdade, há uma dúvida se os negros têm um risco maior de ter câncer de próstata ou se apresentam uma evolução mais acelerada da doença, um tumor mais agressivo, o que me parece a hipótese mais provável. Embora a diferença não seja tão expressiva, esse grupo precisa, sim, ficar mais atento e fazer os exames regularmente.

Há outros fatores de risco?

Não. Existem vários estudos tentando correlacionar a ingestão de gordura, carne vermelha, obesidade, sedentarismo, porém nada disso foi muito contundente. Também não há nada que previna a doença, nenhuma medicação, dieta ou mesmo o uso de vitaminas. Aliás, o termo “exame preventivo” não é o mais adequado, porque na verdade não previne nada. O que fazemos é tentar obter o diagnóstico o mais precocemente possível. Manter hábitos como a prática de exercícios físicos e a boa alimentação deixa o organismo mais saudável, mas não previne especificamente o câncer de próstata. Diversas pesquisas realizadas com medicamentos e complexos multivitamínicos não alcançaram bons resultados para prevenção, devido à ocorrência de sérios efeitos colaterais.

Quais são os métodos de diagnóstico atuais?

Inicialmente, recomenda-se o exame de PSA, o antígeno prostático específico, uma proteína que o órgão produz. Quando o nível dessa substância está elevado no sangue, é um sinal de alerta de que pode haver um tumor. Outro exame utilizado no rastreamento é o toque retal, por meio do qual o médico consegue sentir um nódulo, uma área endurecida. É importante fazer ambos, pois são complementares. Sabemos que até 30% das pessoas com câncer de próstata têm o PSA normal. Então, é fundamental agregar um segundo teste para aumentar a sensibilidade do check-up.

Quando persiste a dúvida, pode-se solicitar, em alguns casos, a ressonância magnética. Esse exame consegue evidenciar com muita precisão o tecido prostático, mostrando áreas suspeitas de malignidade. Tudo isso orienta o médico para a necessidade de realizar ou não uma biópsia, fundamental para o fechamento do diagnóstico. Ela vai determinar se há um tumor, seu tipo e a agressividade, impactando diretamente a escolha do tratamento.

E quais são as opções de tratamento?

Robô cirurgião do Hupe

O ideal é sempre descobrir a doença ainda no estágio inicial, quando está restrita à próstata, porque há perspectiva de cura do paciente, com radioterapia ou cirurgia. O procedimento cirúrgico oferece uma taxa de cura um pouco maior, embora também tenha efeitos colaterais e os riscos inerentes a uma intervenção de grande porte. Pode ser feita de forma convencional, de corte; por videolaparoscopia convencional, aquela dos furinhos; ou por via robótica. Aqui no Hupe fazemos os três tipos. A cirurgia robótica é considerada um pouco mais segura, com menos risco de complicações que a técnica convencional, mas as chances de cura são muito semelhantes.

E se o diagnóstico for feito numa fase avançada?

Cabine de operação do sistema robótico utilizado nos procedimentos cirúrgicos urológicos do Hupe

Quando o câncer já extrapolou a próstata, comprometendo outros órgãos, as opções são basicamente de controle da doença com medicamentos, principalmente os bloqueadores da testosterona. Sabemos que o tumor possui vários receptores para o hormônio, que estimula seu crescimento. Bloqueando a testosterona, conseguimos, frequentemente, uma regressão significativa da doença, que fica estabilizada durante muitos anos, embora não seja possível alcançar a cura. Muitas vezes, o paciente, já idoso, falece por outras causas, enquanto o câncer de próstata estava controlado.

Que tipo de atendimento o Hupe oferta aos pacientes com câncer de próstata oriundos da rede pública estadual?

Damos todo o suporte necessário. Temos um programa especializado, que oferece desde o tratamento medicamentoso, com bloqueio de hormônio, até o procedimento cirúrgico e a radioterapia. Além disso, disponibilizamos alguns tratamentos experimentais em nosso centro de pesquisa. Alguns medicamentos comercializados hoje foram testados no Hupe.

Equipamento HIFU usado no Hupe

Também usamos um equipamento chamado HIFU (High Intensity Focused Ultrassound), que trata o câncer localizado, diagnosticado bem no começo, quando ainda é pequeno e restrito a um lado da próstata. Em última instância, ele aquece a região do tumor, eliminando aquele foco tumoral, sem corte ou furo. Absolutamente nada é introduzido no organismo, a não ser a sonda, que é encostada na próstata e emite o ultrassom de alta intensidade, tratando a área afetada. É um tratamento experimental autorizado pela Sociedade Brasileira de Urologia (SBU), seguindo um rigoroso protocolo de pesquisa, aprovado pelo Comitê de Ética, como os demais procedimentos realizados no Hupe.


Qual é a importância das campanhas de conscientização, como “Novembro Azul” e outras ações?

Creio que elas são muito eficazes. Quando eu era residente aqui no Hospital, há mais de 20 anos, encontrávamos muita dificuldade para propor a realização de um exame de próstata, e os homens não procuravam o especialista com a periodicidade desejável. Então, essa campanha, surgida na Austrália em 2003, tem mudado de forma muito expressiva o comportamento masculino. Na verdade, entendo que o “Novembro Azul” deve ser todo mês, de janeiro a dezembro, pois o homem precisa se cuidar o ano todo. Todas essas iniciativas têm impacto positivo, pois alertam para a importância do exame.

A Policlínica Universitária Piquet Carneiro (PPC) da Uerj, localizada no bairro São Francisco Xavier, no Rio, também atende pacientes com câncer de próstata?

Na unidade, oferecemos há cerca de dez anos o serviço chamado “Ambulatório de Atenção à Saúde do Homem”, destinado a pacientes encaminhados via Sisreg. O objetivo é abordar a saúde masculina em geral: doenças sexualmente transmissíveis (DSTs), disfunção erétil e planejamento familiar, com realização de vasectomia, seguindo todo o trâmite legal. Também avaliamos outras questões, como a hiperplasia benigna da próstata, processo natural de crescimento do órgão, que afeta a maioria dos homens a partir dos 40, 50 anos. São doenças distintas que, por acaso, acontecem no mesmo órgão, embora em regiões diferentes. O câncer ocorre mais na superfície, por isso conseguimos sentir com o dedo. Já o crescimento benigno atinge sua parte mais interna, o “miolo”.

Nesses casos, a pessoa pode apresentar sintomas como dificuldade para urinar, micção excessiva ou incontinência. Em último grau, quando a próstata cresce muito, ocorre a obstrução do fluxo urinário, situação que requer atendimento de urgência. No hospital, é inserida uma sonda para drenar a urina, até que seja realizada uma operação com a finalidade de retirar o miolo aumentado da próstata.