Pesquisas desenvolvidas há uma década na Uerj dialogam com o tema do Prêmio Nobel de Química 2025

10/12/202511:00

Diretoria de Comunicação da Uerj
O professor Lippy Faria Marques (com crachá) coordena equipe do GQCEL Uerj

O Grupo de Química de Coordenação e Espectroscopia de Lantanídeos (GQCEL), do Instituto de Química (IQ) da Uerj, vem atuando, desde 2015, na mesma área de estudo da pesquisa que receberá o Prêmio Nobel de Química deste ano. Coordenado pelo professor Lippy Faria Marques, o grupo formado por estudantes de iniciação científica, mestrado e doutorado, é pioneiro, e o único no Rio de Janeiro, a pesquisar as aplicações das chamadas Redes Metalorgânicas de Lantanídeos, uma vertente das Estruturas Metalorgânicas — em inglês, Metal-Organic Framewors (MOFs). Elas foram criadas e desenvolvidas pelos cientistas Richard Robson (Universidade de Melbourne, Austrália), Susumu Kitagawa (Universidade de Kyoto, Japão) e Omar Yaghi (Universidade da Califórnia, EUA), que receberão, nesta quarta-feira (10), o prêmio em Estocolmo, na Suécia.

Segundo Marques, as MOFs estão entre os materiais mais promissores dos últimos cem anos, no campo da química inorgânica. “Essas estruturas se formam pela ligação entre metais e moléculas orgânicas — como uma espécie de ‘esponja molecular’, porosa e com canais internos. Essa estrutura confere uma área superficial enorme, que permite diversas aplicações”, frisa.

Múltiplas aplicações

Devido à sua estrutura e características – porosidade, canais e cavidades ocas, resistência à temperatura e variação de cores da intensa luminescência, a capacidade de gerar luz —, as MOFs têm potencial para aplicações em diversas áreas; da descontaminação da água à captura de dióxido de carbono do ar, no tratamento do câncer e até em investigações policiais.  

A saúde e a segurança pública, inclusive, são as duas principais frentes de atuação do GQcel. “Como são substâncias luminescentes e variam de cor em função da temperatura, as MOFs podem atuar como termômetros em escalas nanométricas, dentro de uma célula, por exemplo. Isso é de extrema relevância, porque sabemos hoje que as células tumorais têm temperatura maior que as sadias”, explica. “Essa aplicação, conhecida como termometria luminescente, ainda é recente em escala mundial. Nós submetemos dois trabalhos sobre esse tema e, ainda que não possamos definir quando será aplicado clinicamente, sabemos que estamos no caminho certo para esse desenvolvimento”, anuncia.

Outra característica das MOFs é a capacidade de transportar substâncias em suas cavidades, mantendo o controle do momento e da quantidade a ser liberada, uma característica que as tornam especialmente indicadas para drug delivery, ou “entrega de medicamentos”, em português. “É possível levar a dosagem necessária de medicação até uma parte específica do corpo humano, sem afetar outros órgãos e reduzindo os efeitos colaterais”, descreve.

Teste com arma de fogo

Na área da Segurança Pública — o carro-chefe da linha de pesquisa do GQCEL, que foi tema de outra matéria do Portal Uerj em 2021 —, as MOFs atuam também por meio da variação das cores em função da temperatura, segundo o professor Lippy. “Utilizamos metais da família dos lantanídeos para produzir compostos luminescentes — que emitem luz nas cores vermelha, verde, amarela e azul. Marcamos munições de armas de fogo com esses compostos e, quando o tiro é disparado, os resíduos se espalham pelas mãos e roupas do atirador, pelo chão e pelo alvo, sem serem percebidos”, explica.

Resíduos luminescentes são úteis em investigações criminais

“Com uma simples lâmpada de luz ultravioleta, de baixo custo, é possível visualizar esses resíduos luminescentes. Isso auxilia o perito a determinar, de forma rápida e barata, parâmetros forenses como posição do atirador, tipo de arma e de munição, além de contribuir em exames necroscópicos, permitindo identificar o trajeto do projétil e a causa da morte com mais precisão”, complementa.

A repercussão do prêmio

Com a premiação da pesquisa sobre as estruturas metalorgânicas, o professor Lippy acredita que o reconhecimento do Nobel nessa área pode abrir novas portas de financiamento e colaboração internacional para o GQCEL. “Posso dar um exemplo concreto disso: já na primeira semana após o anúncio, recebi dois e-mails de pesquisadores estrangeiros, um indiano e um chinês, querendo colaborar com o nosso grupo de pesquisas”, relata. “Um Prêmio Nobel é um reconhecimento enorme para a nossa área, que, com certeza, pode ser levado em conta para obter recursos para os laboratórios brasileiros”, destaca.

Motivação e desafios

Para a aluna de doutorado do GQCEL, Júlia Silva, a premiação é uma motivação a mais para quem já está na área ou dando os primeiros passos em pesquisa científica, em um campo de conhecimento em plena expansão, apesar dos muitos desafios. “Estes materiais são muito versáteis e nos permitem sintetizar materiais inéditos mudando somente as frações dos metais ou o tamanho da cadeia orgânica. Há um mundo de possibilidades. Por isso, eu convido os novos alunos, que estão ingressando na carreira acadêmica, a conhecerem essa linha de pesquisa, porque o Nobel só destacou a importância desses materiais. E, a partir daqui, temos muito o que fazer ainda. Há um mundo de possibilidades nesse campo”, admite.

O coordenador do GQCEL cita a necessidade de investimento como o principal desafio para a manutenção da pesquisa. “Todos os materiais de laboratório são relativamente caros, e precisamos de financiamento para sempre estarmos no mesmo patamar dos pesquisadores internacionais. A Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj) vem dando grande apoio ao nosso grupo, o que tem nos mantido em atividade constante”, afirma.

Para conhecer mais sobre o assunto, leia o artigo “Utilização da modulação da luminescência em uma nova série de estruturas metalorgânicas mistas de lantanídeos para marcação seletiva de munições de armas de fogo”, do professor Lippy e de aluna Júlia, entre outros pesquisadores.