Diretoria de Comunicação da Uerj
A chegada de uma criança provoca mudanças significativas na vida das mulheres, o que também pode influenciar suas carreiras. Para incentivá-las a dar continuidade a seus trabalhos, mães cientistas ganharam R$ 6,2 milhões em recursos para apoiar suas pesquisas no período pós-maternidade. A iniciativa inédita é da Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj), em parceria com o Instituto Serrapilheira e o movimento Parent in Science (PiS).
Devido à alta procura e à qualidade dos currículos apresentados, o programa foi ampliado e beneficiou 156 profissionais, sendo a Uerj, com 37 projetos, a segunda instituição com o maior número de aprovadas, atrás apenas da UFRJ. “Pela quantidade de propostas recebidas, ficou evidenciado que é enorme a demanda de mães cientistas buscando apoio para esse momento de suas carreiras, em que precisam se dedicar também aos filhos”, afirma Cristina Caldas, diretora de Ciência do Instituto Serrapilheira. “Precisamos de mais editais que reconheçam o impacto da maternidade, e que os mecanismos de fomento possam ajudar a superar os efeitos negativos dessas interrupções”, acrescenta.
Criado há quatro anos na Uerj, o Grupo de Trabalho (GT) de Mães Cientistas, que reúne integrantes do PiS, destacou-se na sugestão de ações de suporte às demandas das mães pesquisadoras. O tema resultou na publicação do Ato Executivo de Decisão Administrativa (Aeda) 80/2020, que estende o período de contagem de pontos no processo seletivo para o Programa de Incentivo à Produção Científica Técnica e Artística (Prociência). O impacto da maternidade também vem sendo considerado em editais internos, processos seletivos e progressão funcional, como nas avaliações do Prociência e do Banco de Produção Científica (BPC).
Movimento inspira a criação de edital
A origem do edital pioneiro da Faperj está associada ao PiS. O movimento brasileiro, que tem como objetivo levantar a discussão sobre a parentalidade dentro do meio acadêmico e científico, ganhou, em 2021, o Prêmio Mulheres Inspiradoras na Ciência, da revista Nature, pela divulgação de dados relevantes para estudos de desigualdade de gênero. Lançada em maio deste ano, a chamada pública foi aberta para cientistas que se tornaram mães nos últimos 12 anos. Mães de crianças com deficiência também puderam concorrer independente da idade dos filhos. “Este é um passo importante para promover uma ciência mais inclusiva e fortalecer o papel das mulheres no cenário científico nacional”, diz Fernanda Staniscuaski, fundadora do PiS.
Conheça, a seguir, quatro mães cientistas da Uerj vencedoras do edital. Elas relatam suas experiências na vida acadêmica e pessoal e explicam um pouco sobre seus trabalhos em diferentes áreas do conhecimento.
Sensibilidade e visibilidade na academia
Marina Nucci, professora do Instituto de Medicina Social da Uerj (IMS), está à frente do projeto intitulado “Uma (neuro)ciência do amor e cuidado materno? Uma análise sobre gênero, ciência e moral em discursos contemporâneos sobre ‘maternidade’ e ‘apego’”. Trata-se de uma reflexão sobre o papel da maternidade na atualidade. Apesar das mudanças sociais advindas dos movimentos feministas, continua sendo vista pela sociedade como atividades mais desempenhadas por mulheres do que pelos homens.
“Existe uma grande preocupação, do ponto de vista da ciência e da medicina, em vigiar e regular a forma como a maternidade deve ser exercida. É possível notar inúmeras ‘prescrições’ médico-científicas sobre como uma ‘boa mãe’ deve proceder. Meu objetivo é analisar discursos científicos que investigam efeitos do ‘apego’ e do ‘amor materno’ no desenvolvimento infantil, levando em consideração todo contexto histórico-social”, diz a pesquisadora, também membro do GT de Mães Cientistas desde o pós-doutorado.
Mãe de duas filhas, Marina espera que esse tenha sido o primeiro de muitos editais e que mais pesquisadoras sejam contempladas no futuro. “Quero destacar que a Faperj também tem lançado outros editais para combater desigualdades na ciência voltados para pesquisadores indígenas, negros e com PCDs”, pontua.
Sensação de pertencimento
“Protagonismo feminino na ciência: produção de material didático a partir de episódios históricos e de concepções de natureza da ciência” é o projeto encabeçado pela pesquisadora Giselle Faur, do Instituto de Física Armando Dias Tavares (FIS) da Uerj. Seu trabalho versa sobre a presença de mulheres no campo científico, tendo em vista o pouco destaque em áreas consideradas historicamente masculinas.
“Essa estrutura afasta as mulheres da ciência, tendo em vista um conjunto de estereótipos e de critérios produzidos socialmente para defini-las, atribuindo a elas outros papéis sociais. O projeto tem como objetivo selecionar e analisar episódios históricos da Física protagonizados por mulheres e produzir materiais didáticos com foco na educação básica”, conta Giselle, que, recentemente, vem se dedicando a pesquisas nas áreas de História e Sociologia das Ciências.
Em 2024, a pesquisadora completou dez anos de Uerj, a idade exata da filha primogênita. Mais do que uma conquista, ser contemplada traz sensação de reconhecimento. “Marca uma relação de pertencimento e contribuição para a instituição, identificada pelo valor da sua comunidade acadêmica, pela sua produção científica, pelo desenvolvimento da extensão e pela promoção da cultura para o nosso estado. É a melhor notícia do ano!”, comemora.
“Sou mãe de duas meninas negras e meu olhar mudou para as formas como as relações se estabelecem em relação a gênero e raça. Muita coisa mudou nos últimos dez anos. Espaços vêm sendo repensados e várias vozes se fazem presentes de forma cada vez mais impactante. Espero contribuir para que, cada vez mais, mulheres e mães sejam incluídas e tenham seus trabalhos reconhecidos pela sociedade”, diz Giselle.
Desafios
Michelle Dominguez, professora do Instituto de Letras (ILE) da Uerj, coordena o projeto “Práticas discursivas em um mundo pós-digital: elaborações teórico-metodológicas para a análise de discursos na contemporaneidade”. Seu trabalho aborda a influência das tecnologias digitais na comunicação, além de refletir sobre materiais que possam ser replicados na educação básica.
Mãe de Zoé, de nove anos, Michelle ainda enfrenta desafios para conciliar as demandas pessoais com as atividades profissionais. “Tenho uma companheira com quem divido os cuidados com a casa e com minha filha. Sem ajuda de terceiros e com família distante, sobra pouco tempo para o trabalho, realizado com muitas interrupções. Até os quatro anos da minha filha, abandonei a pesquisa e realizei apenas atividades de ensino. Não tinha tempo, nem cabeça – o puerpério é um capítulo à parte. Conforme ela crescia, criando mais autonomia, tive mais espaço e tempo para retomar outros interesses”, revela a pesquisadora, também doutora em Letras Vernáculas.
Para ela, ganhar o edital foi uma felicidade não apenas pelo apoio, mas por sentir-se reconhecida pelo esforço em manter-se produtiva e, ao mesmo tempo, ser uma mãe mais presente para Zoé. “Apesar de termos dificuldades de maternar enquanto encaramos as exigências acadêmicas, outros contextos de maternagem (mães solos, filhos atípicos, etc.) podem agregar mais dificuldades a algumas de nós. De todo modo, o fato de estarmos concorrendo entre nós – ainda que o ideal fosse não necessitar de concorrência – favorece que mais de nós tenhamos nossas pesquisas apoiadas”, enfatiza.
Projetos adiados
Segundo a professora Luciana Costa, da Faculdade de Ciências Biológicas e Saúde (FCBS) da Uerj campus Zona Oeste, a maternidade é um divisor de águas em sua trajetória. “Uma situação particular que posso citar foi ter adiado por muito tempo o ingresso em um programa de pós-graduação que eu queria muito, por não ter disponibilidade para dar aulas no período noturno. O sentimento de culpa que acompanha a maternidade é maior ainda quando somos pesquisadoras”, salienta a professora, mãe de uma filha.
Luciana coordena o projeto “Preparo de polímeros reticulados porosos para serem usados como suportes para enzimas visando à aplicação em reações de interesse industrial”. Ela trabalha com a preparação de biocatalisadores heterogêneos. “Eles têm grande potencial de aplicação nas indústrias de alimentos, farmacêutica e química. Podem ser utilizados em processos contínuos, o que viabiliza a redução de custos dos processos industriais”, explica ela, que já passou por situações de preconceito no meio acadêmico. “Quando a gente valoriza o nosso trabalho, os laços que construímos são muito mais relevantes. Com o tempo, aprendemos a passar as coisas por uma peneira e reter apenas o que, de fato, vai agregar”, comenta.
Confira a relação completa com as 37 mães pesquisadoras da Uerj e seus projetos vencedores:
– Gizele Cardoso Fontes Sant’Ana: Aproveitamento de subprodutos agroindustriais: relação entre pesquisa e extensão.
– Marina Fisher Nucci: Uma (neuro)ciência do amor e cuidado materno? Uma análise sobre gênero, ciência e moral em discursos contemporâneos sobre “maternidade” e “apego”.
– Amanda Cruz Mendes: Morfologia comparada e diversidade molecular em opiliões da Mata Atlântica como base para uma taxonomia integrativa (Arthropoda: Arachnida).
– Ana Beatriz Winter Tavares: Avaliação hipofisária em pacientes com Síndrome Antifosfolipíde Primária.
– Ana Ghislane Henriques Pereira van Elk: O papel dos bioplásticos como solução para a crise global dos plásticos: uma abordagem pela ótica do gerenciamento e da sua biodegradabilidade.
– Clara Carvalho de Lemos: Monitoramento de parcerias entre as esferas pública e privada para a gestão do lazer e do turismo no Parque Nacional da Serra dos Órgãos (RJ).
– Claudia Reis Miliauskas: Adversidade social e saúde mental em estudantes de graduação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
– Danielle de Mendonça Henrique: Combate à resistência antimicrobiana em unidades de terapia intensiva: ações estratégicas ancoradas na qualidade e segurança do paciente.
– Débora de Aguiar Lage: Estratégias educacionais interdisciplinares visando à promoção da saúde integral dos adolescentes no CAp-Uerj.
– Erika Afonso Costa Cortez Marques: Estudo do potencial terapêutico do secretoma de culturas 3D de células estromais mesenquimais sobre alterações metabólicas e cardiovasculares induzidas por obesidade.
– Flavia Giron Camerini: Aperfeiçoamento de práticas a beira leito e pesquisas de enfermagem com ultrassonografia point of care.
– Geisa Elmokdisi Pedrosa Bordenave: Mulheres da Pequena África: direito à cidade e lutas por moradia na Zona Portuária do Rio de Janeiro.
– Giselle Faur de Castro Catarino: Protagonismo feminino na ciência: produção de material didático a partir de episódios históricos e de concepções de natureza da ciência.
– Haydee Andrade Cunha: Genética para a conservação de mamíferos aquáticos e terrestres.
– Helena Ferraz Gomes: Práticas clínicas em terapia infusional: ampliando o uso do Cateter Central de Inserção Periférica.
– Heloisa Goncalves Ferreira: Saúde mental em cuidadores familiares de pessoas idosas com Alzheimer: relações com ambivalência, culpa, autocompaixão e familismo.
– Jana Tabak Chor: Representações sobre as crianças-soldado: uma análise da infância como tecnologia de governança da guerra.
– Liana Catarina Lima Portugal: Predição de sintomas de transtornos mentais a partir da reatividade cerebral e psicometria.
– Lilia Zago: Uso de subprodutos da oliveira (Olea Europaea L.) como ingrediente funcional em pães de mandioca: integrando abordagem metabolômica com digestão gastrointestinal simulada e fermentação colônica.
– Lívia Maria da Costa Silva: Estudo dos efluentes como elemento primordial para a sustentabilidade: contaminantes emergentes em unidades de saúde no Rio de Janeiro.
– Louisy Sanches Dos Santos Sant’Anna: Epidemiologia molecular e caracterização de mecanismos envolvidos na resistência antimicrobiana e na interação patógeno-hospedeiro de espécies do complexo Corynebacterium diphtheriae isoladas no Brasil.
– Luana Lopes de Souza Ferreira: Origem perinatal das doenças endócrinometabólicas: como a dieta materna modula o eixo microbiota intestino-cérebro na prole a curto e longo prazo.
– Luciana Alem Gennari: Entre bairros: tessitura urbana e produção social do espaço urbano do Engenho Velho na Primeira República no Rio de Janeiro
– Luciana da Cunha Costa: Preparo de polímeros reticulados porosos para serem usados como suportes para enzimas visando a aplicação em reações de interesse industrial.
– Luciana Pires Alves: As infâncias e as coisas: uma proposta de investigação com crianças acerca dos objetos do mundo.
– Luciane Pires da Costa: “Do virtual ao Real!”. Promoção de saúde com realidade virtual associado à Interdisciplinaridade no cuidado de pessoas com obesidade e fibromialgia.
– Marcela do Nascimento Padilha: Turismo pedagógico como instrumento de apropriação do patrimônio natural e cultural.
– Marianna Fernandes Moreira: O governo das margens: passado e presente da geografia do comércio de rua na cidade do Rio de Janeiro.
– Michelle Gomes Alonso Dominguez: Práticas discursivas em um mundo pós-digital: elaborações teórico-metodológicas para a análise de discursos na contemporaneidade.
– Patrícia Maria Lourenço Dutra: Impacto do exercício físico na resposta imunológica à leishmaniose experimental: influência do sexo do hospedeiro, da modalidade do exercício e da espécie do parasito.
– Priscilla Fonseca de Abreu Braz: Da Escola à Universidade: fortalecendo a educação em computação no Rio de Janeiro.
– Roberta Fontanive Miyahira: Investigação de estratégia de aumento da bioacessibilidade de fitoquímicos do chá verde e do chá branco (Camellia sinensis) e seu potencial antitumoral em células de câncer de cólon.
– Silvia Amaral Gonçalves da Silva: Estudos pré-clínicos de candidatos a fármacos para o tratamento de doenças negligenciadas endêmicas no Brasil: leishmaniose e doença de Chagas.
– Simoni Furtado da Costa: Paternidade e cuidado: acolhimento, acesso e inclusão do pai na Rede SUS.
– Sinara Borborema: Influência do processamento termomecânico na microestrutura, propriedades e comportamento eletroquímico da liga Ti-24Nb-4Mo-6Zr.
– Tatyana de Amaral Maia: Mulheres, ciência e envelhecimento: memórias do trabalho científico e experiências femininas no Sul Global.
– Ursula Andrea Barbara Verdugo Rohrer: Redesenhando as disciplinas de serviço de Matemática na Universidade para os cursos de Engenharia.