Pesquisadoras da Uerj conquistam espaços na ciência e ganham reconhecimento de programa da Faperj

08/03/202415:23

Diretoria de Comunicação da Uerj

Elas representam 43,7% dos pesquisadores no Brasil, segundo o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), mas ainda enfrentam muitos obstáculos para se firmar e assumir cargos de liderança no mundo acadêmico. As mulheres cientistas brasileiras precisam lidar com questões como a conciliação do trabalho de pesquisa com a maternidade e a vida familiar, a desconfiança em relação à sua capacidade produtiva e a falta de incentivos e de reconhecimento das instituições.

Encarando essas dificuldades históricas, 13 pesquisadoras da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) decidiram submeter seus projetos e foram contempladas pelo Programa de Apoio à Jovem Cientista Mulher com vínculo em ICTs do Estado do Rio de Janeiro, edital lançado em 2023 pela Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj).

Neste Dia Internacional da Mulher, seis dessas jovens cientistas uerjianas relatam suas experiências na vida acadêmica e detalham os projetos vencedores do programa da Faperj, nas áreas de “Ciências da vida”, “Ciências exatas, tecnológicas e multidisciplinar” e “Humanidades”.

Projetos inovadores

Professora do Instituto de Biofísica, é no Laboratório de Vibrações Mecânicas e Práticas Integrativas (Lavimpi), da Policlínica Universitária Piquet Carneiro (PPC), que Danúbia da Cunha de Sá Caputo desenvolve a sua pesquisa. Trata-se de um projeto voltado para crianças autistas de 6 a 12 anos que, por meio de estimulação transcraniana, pretende desenvolver habilidades com relação à sintomatologia do transtorno do espectro autista.

“Esperamos melhorar a capacidade de compreensão, cognição e comportamento dessas crianças e interferir também na linguagem, que não envolve só a fala. A faixa etária de 6 a 12 anos é a última janela de oportunidade do desenvolvimento infantil, e é de extrema importância pensar que essas crianças ou não tiveram um atendimento de qualidade, ou até tiveram, mas não responderam às terapêuticas mais convencionais existentes. Se nenhuma intervenção for feita nesse período, elas vão seguir para a adolescência e a idade adulta carregando grandes questões relacionadas a comorbidades e terão uma vida mais dependente. E isso não afeta só a vida delas, mas também a da família e da sociedade como um todo”, frisa Danúbia, que pretende captar os participantes de forma ampla, em grupos, associações de crianças com autismo e também pelo Sisreg.

Já a pesquisadora Maria das Graças Coelho de Souza, do Laboratório de Pesquisas Clínicas e Experimentais em Biologia Vascular, do Departamento de Ciências Fisiológicas do Instituto de Biologia Roberto Alcantara Gomes (Ibrag), pretende avançar em seu projeto sobre doença falciforme, que, segundo ela, é negligenciada no Brasil.

“Por afligir pessoas negras, sobretudo pobres, do nosso país, ainda são muito escassos os estudos a respeito da doença. A ativação da via tromboinflamatória, cujo funcionamento tentamos desvendar nessa pesquisa, é o que há de mais importante hoje em dia nessa área. Sinto que estamos na ponta da pesquisa sobre doença falciforme e, sobretudo, pesquisando os pacientes aqui do Brasil, sobre os quais os dados ainda são insuficientes. Contamos com os voluntários do Ambulatório de Hematologia, do Hospital Universitário Pedro Ernesto, para nos ajudar. É muito gratificante para mim também poder ajudar essas pessoas, que sofrem muito com eventos tromboembólicos, baixa expectativa e qualidade de vida”, declara Maria das Graças.

A professora Maira Covre-Sussai Soares, do Instituto de Ciências Sociais, vai desenvolver uma pesquisa quantitativa sobre famílias, trabalho doméstico, cuidado e valores de gênero no Brasil em perspectiva comparada internacionalmente. O projeto teve uma primeira etapa em 2016 e agora propõe demonstrar se, e como, aconteceram mudanças nos valores de gênero no país.

“Tivemos uma década muito específica, com um governo em que a pauta antigênero era muito forte. E tivemos a pandemia. Passado esse furacão, como andam os valores de gênero? O brasileiro continua achando que tanto faz a criança ser criada pelo pai ou pela mãe? Em que medida as pessoas concordam com a mulher trabalhar em casa, cuidar da família, enquanto o homem trabalha fora? E queremos perguntar como a pandemia impactou a vida familiar da comunidade. No início, alguns indicadores apontaram que a produtividade dos homens aumentou, enquanto a das mulheres diminuiu, pois precisavam cuidar dos filhos”, relata Maira.

O desafio das mulheres nas Ciências Exatas

Entre as contempladas pela Faperj, estão três professoras do Instituto de Física da Uerj: Letícia Faria Domingues Palhares, Maria Clemencia Rosario Mora Herrera e Paula de Oliveira Ribeiro Alho. As pesquisadoras acreditam que a área de “Ciências exatas, tecnológicas e multidisciplinar” é particularmente sensível, já que se trata de um meio predominantemente masculino. Tanto que, atenta a essa desigualdade, a Faperj lançou, em fevereiro, o Programa Meninas e Mulheres nas Ciências Exatas e da Terra, Engenharias e Computação, que visa apoiar a participação feminina em áreas em que tradicionalmente a presença masculina ocorre com mais frequência. As submissões estão abertas até o dia 5 de abril.

Professora e pesquisadora no Departamento de Física Teórica, Letícia Palhares conta que, não raro, participa de conferências em que há 1% a 3% de mulheres. Mas, para ela, não há desafio maior que conciliar a maternidade com a carreira científica. “Para mim a maternidade foi um divisor de águas. Entrei na pandemia grávida e com uma criança de 1 ano, e foi muito difícil. Eu me vi numa situação em que tive que decidir entre me dedicar à carreira ou cuidar dos meus filhos. Jamais tive tantas dificuldades, em outras situações, sendo mulher na Física. Eu senti a maternidade de uma maneira mais aguda. Está lá no meu parecer: ‘foi mãe’. É um impacto tão grande que assusta”, revela.

Com o projeto “Confinamento: teoria, física de aceleradores e fases da matéria nuclear”, Letícia tenta responder à pergunta: do que somos feitos ou do que as coisas são feitas? “Sabemos que as coisas são compostas por átomos e, dentro deles, tem o núcleo atômico. O meu estudo tenta observar o que tem dentro deste núcleo. Será que conseguimos chegar a uma pecinha fundamental que compõe todo o resto que observamos, como uma espécie de Lego do qual tudo é feito? Hoje em dia dizemos que essas pecinhas são os quarks, partículas que acreditamos ser indivisíveis. Estudo a interação entre os quarks para formar o próton e o nêutron. Juntamos um mundo muito pequenininho com outro muito energético, e para descrever essas interações, chamamos de teoria quântica de campo”, descreve a pesquisadora.

A experiência de Paula Alho, do Departamento de Eletrônica Quântica, é reveladora das desigualdades de gênero na área de Exatas. Casada com um professor de Física do mesmo departamento, ela frequentemente percebe diferenças de tratamento no meio acadêmico. “Chegávamos em um congresso e logo me perguntavam se eu era acompanhante dele. Ou então submetíamos um projeto juntos e ele conseguia, mas eu não. Daí a importância de um edital como este da Faperj”, afirma.

O foco do projeto de Paula é estudar os materiais intermetálicos e suas propriedades intrínsecas, que têm aplicação na refrigeração alternativa. “O refrigerador da geladeira já tem um efeito calórico, que é um compressor que fica comprimindo o tempo todo e trocando esse calor: tira daqui e joga lá para fora. A nossa ideia com os i calóricos é tentar tirar esse gás, que é um pouco poluente, e colocar um material sólido, visando às vantagens em relação à eficiência energética”, detalha.

Maria Clemencia Herrera, do Departamento de Física Nuclear e Altas Energias, trabalha em seu projeto com experimentos que detectam, registram e medem todos os produtos de colisões de alta energia entre prótons. “Estamos estudando novas tecnologias e detectores de silício para conseguir equipar os lugares do detector para o próximo passo do LHC (acelerador de partículas), em que vamos ter muito mais colisões por segundo. Vai ser high luminosity, alta velocidade, muitos prótons por segundo, então precisamos que os detectores estejam prontos para identificar esses prótons rapidamente, com alta precisão e com boa resposta”, antecipa.

Chilena e moradora do Brasil há 11 anos, a pesquisadora é casada com um físico brasileiro, com quem tem duas filhas. Com esse perfil, ela afirma que já passou por situações delicadas na carreira. “Demorei a enxergar, mas tive experiências ruins, de situações que podem ser consideradas assédio e discriminação, por ser mulher, latina, mãe, casada com colega, e estamos no século 21”, denuncia Maria Clemencia. “Tem melhorado porque as mulheres estão falando mais e estamos encontrando cada vez mais abertura para escutar críticas ao machismo sistêmico, na área da Física”, acrescenta.

Para a pesquisadora, o maior ganho promovido pelo programa da Faperj é a possibilidade de comprar um equipamento de peso para o laboratório onde trabalha. “Vencer o edital Mulheres na Ciência foi importante no sentido de que não serei mais cossignatária de um projeto que pede um equipamento grande. Agora vou conseguir importar, o laboratório vai estar completo graças a mim! Eu me sinto brilhante”, comemora.

Conheça as pesquisadoras uerjianas e seus projetos vencedores:

Aliny Patrícia Flauzino Pires (Ecologia): “Integrando a biodiversidade no desenho de soluções para o desenvolvimento sustentável: uma abordagem Nexus”;

Annie Gomes Redig (Educação): “Pessoas com deficiência intelectual e/ou TEA: A representatividade no processo de transição para a vida independente”;

Daniella Regina Mulinari (Engenharia Química): “ECOSORVE – Revalorização de resíduos agroindustriais para obtenção de materiais porosos aplicados à remoção de metais provenientes de água contaminada”;

Danúbia da Cunha de Sá Caputo (Biofísica): “Efeito do exercício de vibração de corpo inteiro e da estimulação transcraniana por corrente contínua na linguagem, na qualidade do sono, na qualidade de vida, no perfil psicomotor, no perfil sensorial e na saúde mental de crianças de 6 até 12 anos com TEA”;

Eugenia Zandoná (Ecologia): “Pontes ecológicas em miniatura: como elementos da paisagem afetam o fluxo de energia, nutrientes e gases do efeito estufa em pequenos corpos d´água”;

Fabricia Lima Fontes-Dantas (Farmacologia): “Identificação dos mecanismos relacionados ao desenvolvimento de encefalite autoimune pós-Covid-19”;

Letícia Faria Domingues Palhares (Física): “Confinamento: teoria, física de aceleradores e fases da matéria nuclear”;

Maira Covre-Sussai Soares (Ciências Sociais): “Famílias, trabalho doméstico, cuidado e valores de gênero em perspectiva comparada internacional”;

Maria Clemencia Rosario Mora Herrera (Física): “Desenvolvimento e Caracterização de Sensores Semicondutores: da Microeletrônica à Aplicação em Física de Altas Energias”;

Maria das Graças Coelho de Souza (Fisiologia): “Avaliação de biomarcadores da via tromboinflamatória e de complicações cardiopulmonares, renais e hepáticas nos pacientes com doença falciforme”;

Paula de Oliveira Ribeiro Alho (Física): “Estudo dos efeitos i-calóricos em compostos Intermetálicos”;

Regina Helena Tunes (Geografia): “Inovação como um projeto social e político nas cidades latino-americanas: uma agenda de pesquisa em prol do desenvolvimento urbano e do direito à cidade”;

Vanessa Barbosa Romera Leme (Psicologia): “Engajamento escolar e ideação suicida de estudantes ao final do Ensino Fundamental”.