Diretoria de Comunicação da Uerj
A presença feminina no ensino superior vem avançando significativamente ao longo dos anos, refletindo mudanças culturais, políticas e sociais em um crescente esforço em promover mais igualdade de gênero. Conforme mostra a terceira edição do levantamento “Estatística de Gênero: indicadores sociais das mulheres no Brasil”, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), as mulheres são maioria entre os brasileiros com ensino superior completo, representando 21,3% em comparação com os 16,8% dos homens. Na Uerj, que se consolidou entre as universidades públicas como a primeira instituição do país a implantar, há 22 anos, um sistema de cotas no Vestibular Estadual, a presença feminina também é majoritária, inclusive entre os alunos cotistas.
De acordo com Alex Goulart, coordenador-geral da Análise de Cotas do Departamento de Seleção Acadêmica (Dsea) da Uerj, entre 2021 e 2024 foram registradas 61,8% de mulheres cotistas classificadas em vagas distribuídas entre os cursos disponíveis na Universidade. “As mulheres hoje entendem que não vivemos mais um momento de diferenciação de gênero marcante e que a Universidade é um caminho para a ascensão social. Daí o aumento da presença delas até mesmo em cursos tidos como ‘masculinos’, como as Engenharias, por exemplo”, ressalta Goulart.
Exemplo de egressa ex-cotista da Uerj, a atual ministra da Igualdade Racial do Brasil, Anielle Franco, integrou uma das primeiras levas de estudantes contempladas pelo sistema pioneiro de cotas da Universidade, onde cursou Inglês e Literaturas de Língua Inglesa no Instituto de Letras. Hoje, Anielle dirige também o instituto que leva o nome de sua irmã, a vereadora Marielle Franco. A instituição desenvolve uma série de ações com o propósito de fortalecer mulheres negras, periféricas e LGBTQIA+.
Neste Dia Internacional da Mulher, três ex-alunas cotistas da Uerj contam como a viabilização dessa política pública foi decisiva e transformadora em suas vidas profissionais e pessoais.
Monique França da Silva

Graduada em Medicina na Uerj, onde ingressou em 2010, por meio de cotas para pessoas negras. Atualmente é médica de Família e Comunidade na Secretaria de Saúde do Município do Rio de Janeiro.
“Estudei em escola pública uma parte da minha vida e depois fui bolsista em uma escola particular. Escolhi Medicina porque achava que seria uma forma de ajudar as pessoas. Minha vida enquanto cotista seguiu com muita responsabilidade. Entendi que estar na Universidade não era uma condição só para que eu me formasse, era preciso que eu também estivesse ali para garantir a permanência dessa política. Participei dos Conselhos Universitário e Departamental. Fazia parte do Centro Acadêmico dentro de uma lógica de entender que estar na Universidade não era apenas uma etapa da minha vida, era uma também um momento de construção dessa política e da Universidade na qual passei a acreditar que poderia existir.
Creio que o maior desafio enfrentado durante a graduação foi a permanência: ter dinheiro para passagens, comprar material, tirar cópias e ter um lugar para estudar. Fui a primeira pessoa a ter o ensino superior na minha família. Entendi, na garra, como a Universidade funcionava. Eu ia para o campus Maracanã e conseguia ter um horário mais estendido para estudar na biblioteca. Era fundamental saber que a Universidade pode oferecer uma série de outras oportunidades para estimular o crescimento dos seus alunos. Para quem não tem um padrinho ou alguém que possa te guiar, são desafios importantes para que cotistas possam avançar, porque você não se vê enquanto parte daquele local de discussão.
Hoje sou médica de Família e Comunidade. Tenho desafios, busco inspirar outras pessoas a fazer o curso de Medicina, principalmente na Uerj. Apesar de todos os desafios, a Uerj é o local onde me parece ser mais acolhedor, no qual essa Política de Cotas não vai regredir. A Universidade é lugar de referência da manutenção dessa política, que traz equidade ao ensino superior, em que a concorrência se torna mais igualitária com seus pares em vez de estudantes mais privilegiados, com acesso à educação, à moradia e ao transporte de qualidade.
Fiz formação nas Unidades Básicas de Saúde (UBSs). Pessoas negras que eu atendo me enxergam em um lugar de médica negra, consciente da minha raça e da minha classe. Faz toda a diferença no prognóstico, no tratamento, na conduta e na escuta. Tem dores que o paciente sente e que eu também já senti. Hoje faço doutorado em Saúde Pública na Fiocruz, onde também fiz mestrado. Estudei Saúde Pública com âmbito em Saúde da População Negra. O que quero conquistar na minha vida profissional é um desejo coletivo: que todos compreendam as pessoas para além da dor e da queixa clínica”.

Josiane Lima da Silva
Graduada em Engenheira Civil na Uerj, onde ingressou em 2004, por meio de cotas para estudantes da rede pública de ensino. Há nove anos trabalha no Grupo Teixeira Duarte Engenharia e Construção no Brasil e, atualmente, é responsável pela implantação do setor de Suprimentos Estratégicos.
“Desde os meus cinco anos eu falava que seria engenheira civil, em função da profissão do meu pai, pedreiro autônomo. Na 8ª série, fiz prova para a Escola Técnica Estadual Henrique Lage (Niterói) para o curso de Edificações, dando início à minha carreira na Construção Civil. No 3º ano da escola, prestei Vestibular para a Uerj, mesmo sem fazer curso pré-vestibular.
A vida na faculdade não foi fácil, pois entrei na reclassificação e perdi bastante conteúdo. Na época não existia bolsa para o cotista, nem o Restaurante Universitário. Trabalhei durante toda a minha vida universitária, mesmo a graduação sendo em tempo integral. Passei por dificuldades que me fizeram demorar mais que a maioria dos colegas para finalizar o curso. Para conseguir chegar à faculdade às 7h, era necessário sair de casa às 5h e pegar dois ônibus. Na maioria das vezes, chegava em casa à meia-noite. Nos dois primeiros períodos, em paralelo à faculdade, fiz estágio relacionado ao curso técnico. O dinheiro que recebia era importante para manter os custos.
Nos dois períodos seguintes, consegui um trabalho de prestação de serviços em AutoCad para manter a faculdade. Porém, no ano de 2006 fui chamada para o concurso que tinha prestado para a Prefeitura do Rio de Janeiro, no cargo de técnica em Edificações. Houve melhora financeira para manter a faculdade, mas prejudicou muitas vezes o tempo para estudar e o horário para assistir às aulas. Em 2010, pedi licença sem vencimentos e fui ser estagiária em uma das maiores construtoras e incorporadoras do Brasil, onde fiquei até o meu penúltimo período da faculdade. Acreditava que seria meu último período na Uerj, mas reprovei uma matéria na época por poucos pontos. Nessa trajetória, muitas vezes ouvi que deveria deixar de trabalhar para somente estudar, mas as minhas condições não permitiam esse luxo.
Em 2012, trabalhei na Barra da Tijuca. Fazia todos os dias o trajeto “São Gonçalo – Uerj – Barra da Tijuca – Uerj – São Gonçalo”, sem carro, somente por transporte público. No final desse mesmo ano, um antigo chefe me chamou para trabalhar em uma construtora tradicional do Rio de Janeiro e, logo depois que me formei, fui contratada como engenheira civil. Em meu projeto final da graduação consegui alinhar duas paixões: engenharia e futebol. O tema “Estudo de Aderência da Laje da Marquise do Maracanã” virou artigo publicado na Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (FEUP), em 2012, em Portugal.
Minha formação está presente em todos os processos do meu trabalho: na construtora onde trabalho atualmente, em uma multinacional portuguesa onde já trabalhei em obras no Rio de Janeiro e em diversos orçamentos de obras complexas, como hospitais, laboratórios, shoppings, edificações, infraestruturas, entre outras. Também trabalhei diretamente em algumas obras, em especial: aeroportos de Salvador, de João Pessoa e de Campina Grande, além de apoio nas obras do Porto do Futuro, em Belém, para a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2025 (COP 30).
Desejo continuar inspirando as pessoas. Sonho com mais mulheres de valor na engenharia e sigo me inspirando em muitas com que compartilho dessa profissão tão linda. Quem diria que a filha de um pedreiro pernambucano e de uma dona de casa cearense conseguiria, literalmente, voar tão alto!”
Nathaly Barboza de Brito

Graduada em Licenciatura em Física na Uerj, onde ingressou em 2006, por meio de cotas para estudantes da rede pública de ensino. Desde 2024, trabalha como servidora técnico-administrativa na Rede Sirius (Bibliotecas da Uerj), na Biblioteca Centro de Educação e Humanidades (CEH/C) – Duque de Caxias (Educação, Matemática, Geografia e História), na Faculdade de Educação da Baixada Fluminense (Febf).
“No ensino médio, iniciei curso de Formação de Professores e, no último ano, decidi prestar o Vestibular para Licenciatura em Física na Uerj, pois sempre tive a intenção de atuar na educação.
O curso de Física é muito complexo. No início, tive que me dedicar bastante para conseguir acompanhar os conteúdos, pois sentia a necessidade de suprir algumas lacunas que havia na minha formação básica. Porém, com muita dedicação e horas incontáveis de estudo, as dificuldades foram superadas. Eu me deslocava de Magé, na Baixada Fluminense, até o Maracanã, e o valor da passagem pesava demais no orçamento. No entanto, as políticas de permanência da Universidade, por meio de auxílios e bolsas, foram cruciais para que, mesmo com a dificuldade imposta pela distância entre a minha residência e o campus, eu tivesse recursos para me manter na faculdade e realizar os estágios.
Sou professora desde os 18 anos e, atualmente, posso utilizar esses anos de experiência na produção e difusão do conhecimento para contribuir com as atividades exercidas pela Rede Sirius, na Uerj. Atuar no âmbito educacional sempre é um caminho com muitas dificuldades. Vejo hoje a desvalorização da universidade pública como o maior desafio que temos a vencer. No entanto, é gratificante ver o empenho dos alunos e servidores para manter a Universidade viva e atuante na sociedade.
As cotas são um marco importantíssimo na educação do nosso país, especialmente na Uerj, pioneira na implementação das cotas. Por meio de ações como essas, aliadas às políticas de permanência, poderemos garantir o acesso de estudantes de baixa renda e de grupos historicamente excluídos a uma educação pública e de qualidade”.
Como funciona a política de cotas na Uerj
Para ter acesso à cota na Uerj, a candidata precisa fazer parte de um dos recortes com direito ao benefício (ver gráfico abaixo) e, junto a isso, deve comprovar obrigatoriamente a carência socioeconômica, em função de exigência da Lei nº 8121, de 27 de setembro de 2018, que prorrogou o sistema de cotas no estado do Rio de Janeiro.