Doutorando africano da UERJ vai pra ONU pesquisar conflito da Costa do Marfim

02/05/201916:27

Diretoria de Comunicação da Uerj

Ele saiu da Costa do Marfim, na África, para estudar e esperar o conflito armado terminar. Formado em Direito pela Universidade Abomey-Calavi, na capital marfinense, certificou o diploma no Brasil, fez mestrado em relações internacionais na UERJ, em seguida foi aprovado para o doutorado, no mesmo programa. Agora se prepara para passar um ano na Suíça, na Universidade de Friburgo, pesquisando documentos sobre o conflito que o expulsou, na sede da Organização das Nações Unidas (ONU), em Genebra. Com isso, ele pode se tornar no Brasil um especialista em seu continente de origem. O conflito foi mediado, mas ele resolveu não voltar.

Agossou Lucien Ahouangan, 33 anos, vive no Brasil desde 2013. Mas a África nunca saiu dele. Nascido no Benim, foi criado na Costa do Marfim. Diz que não pretende voltar definitivamente ao seu país de origem. Logo após chegar ao Rio, Lucien conheceu uma brasileira e se apaixonou. “Nós vamos nos casar no civil aqui e no religioso na África. Até minha mãe já disse que não volto mais para a África. Quero viver aqui, ter filhos brasileiros. Quem sabe, dar aulas sobre a África”, planeja. Ele quer ficar no Brasil e viver como os brasileiros, embora mantenha o continente africano como material de estudo e faça questão de cultivar hábitos, como por exemplo usar roupas étnicas. “Minha irmã fez esta camisa pra mim quando eu vinha para o Brasil. Está novinha. Só uso em ocasiões especiais”, revela sobre a vestimenta que trouxe na mala e exibia orgulhoso pelas rampas da universidade.   

Coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais e orientadora de Lucien no doutorado, a professora Layla Dawood, avalia que o Brasil carece de especialistas em África e ter a chance de formar um especialista africano é especial. “É a oportunidade de termos um olhar com diferencial de quem viveu no local, de quem vem do continente africano. Será um olhar interno, por ele ser da África”, explica a orientadora do pesquisador que está arrumando as malas para concluir mais uma etapa do doutorado.

No mestrado, Lucien estudou o tema: Uma (re)aproximação com a África subsaariana: a Estratégia da Política Externa Brasileira de 2003 a 2010. No doutorado, ele pretende verificar a eficácia da mediação do conflito na Costa do Marfim, feita pela ONU. “Um conflito só é realmente resolvido quando os motivos que o fizeram surgir são resolvidos. Nosso objetivo é trazer mais visibilidade ao tema e fazer com que mais pessoas entendam como os conflitos se formam”, finaliza.  

“Quero ser um professor ao estilo brasileiro”

Lucien ressaltou as diferenças entre os sistemas educacionais vivenciados por ele no continente africano e no Brasil. “Lá [em Benin] há o investimento mesmo na educação básica”, em oposição ao encontrado no Brasil. A educação oferecida em Benin é gratuita nos dois primeiros segmentos e no terceiro, o universitário, as taxas são pequenas, segundo Lucien. “O valor não é alto, qualquer um pode pagar. É apenas para a manutenção da instituição”.

O pesquisador marfinense também avaliou a valorização dos professores e o respeito recebido: “A grande diferença entre os dois países é a relação aluno-professor. Lá é muito formal e aqui somos mais próximos. Em Benin, obedecemos ao professor, seja qual pedido for feito, e não costumamos chamá-los simplesmente pelo nome”. Por fim, brincou que, caso dê aula em suas terras de origem, será um professor “brasileiro”, mais aberto aos alunos.