Universidade e memória: Uerj colabora com projeto de pesquisa e preservação da história da Mangueira

Da esq. para dir.: Emanuelle Rosa, Renata Moraes, Renato Lopes, Maria Eduarda Filhusi, João Gonzales, Claudiene Esteves  e Daniel Pinha

Uma parceria entre o Departamento de História (Dhis) da Uerj e a Estação Primeira de Mangueira, símbolo da cultura popular afro-brasileira, está dando forma a um instrumento de preservação da memória e história local: o Acervo Virtual de Mangueira. Lançado em fevereiro, o projeto digital reúne fotografias, documentos, fantasias, troféus, sambas e depoimentos, com acervo organizado em coleções temáticas. Uma das seções centrais é a curadoria “Ancestralidade Matriarcal”, que destaca figuras como Dona Neuma, Dona Zica, Tia Fé, Neide, Alcione e Evelyn Bastos. A plataforma também abriga a exposição “Mulheres na Bateria: a revolução do ritmo”, que resgata a entrada de mulheres na ala de ritmistas da escola, a partir de 2006, como marco de mudança cultural e de gênero no carnaval carioca.

“O objetivo da iniciativa é evidenciar a história da Mangueira do ponto de vista das mulheres que construíram a escola de samba e que também, de algum modo, construíram o morro, pois as duas histórias se encontram”, explica o professor Daniel Pinha, coordenador da pesquisa acadêmica na Uerj. “O trabalho evidencia o protagonismo de mulheres negras em suas diversas formas de atuação — dançarinas, costureiras, porta-bandeiras, educadoras — e valoriza sua presença na história da cidade, em particular na da Mangueira e de comunidades periféricas”, reforça Pinha.

Making of da gravação de depoimento da cantora Alcione

A professora Renata Moraes, também do Departamento de História da Uerj, destaca a importância documental do projeto. “O objetivo é preservar a história de uma instituição tão importante como a Mangueira. A falta de uma documentação sistematizada seria muito ruim para as gerações futuras interessadas em compreender o fenômeno das escolas de samba”, salienta.

Já a coordenadora do projeto, Claudiene Esteves Pereira, vice-presidente social da escola, ressalta que o trabalho foi conduzido por quem vive o cotidiano da comunidade. “Somos todos crias da Mangueira; eu, Emanuelle, Renato e mais sete meninas; todo o corpo que ajuda a coordenar, sob a liderança da nossa presidente Guanayra Firmino, que colocou esse projeto na rua, com o apoio do deputado federal Marcelo Freixo. É a nossa história sendo contada por nós mesmas”, frisa.

A força da ancestralidade e da tecnologia

A pesquisa acadêmica foi realizada em instituições públicas, como a Biblioteca Nacional, e também com entrevistas, por meio da história oral, com foco sempre nas mulheres da Mangueira, algumas vivas, outras já falecidas. A Uerj participou desde a formação técnica das bolsistas até a organização do material no site. Segundo a aluna do curso de História Ivie Mendonça, pesquisadora bolsista da Uerj, o projeto proporcionou uma experiência ampla e coletiva. “Fomos capacitadas para todas as etapas. Tive afinidade com as entrevistas, então me concentrei na pesquisa sobre as entrevistadas e organização dos roteiros. Mas também filmei, decupei e ajudei a organizar o material final. Foi um mergulho nas histórias que me reconectou às minhas próprias raízes”, detalha Ivie.

Integrantes do projetos com Leci Brandão

Para a estudante, o projeto reforça o papel da Uerj como uma Universidade popular. “Ele coloca o negro, o favelado e os seus saberes no centro do debate. A Mangueira reafirma, de forma pioneira, o compromisso com a cultura afro-brasileira. E mais: desde sua concepção, o acervo já traz a ancestralidade, com uma mulher negra à frente da presidência, tataraneta de uma das fundadoras da escola”, enfatiza.

João Gonzalez, doutorando em História Social e assistente de coordenação, considera que o projeto, executado em 10 meses, fez a diferença na vida de todos os envolvidos. “Ele tem potencial para impactar fortemente o mundo do samba e da academia. Ainda há muito a se fazer na preservação da memória das escolas de samba, e muitos caminhos possíveis entre o carnaval e o meio acadêmico”, diz.

plataforma é aberta ao público e incentiva a contribuição coletiva. Moradores, pesquisadores e admiradores podem enviar documentos, fotografias e relatos. “O acervo está pronto, mas é fundamental divulgá-lo, especialmente nas escolas públicas. Esse projeto pode ajudar professores a preparar aulas e estudantes a reforçar sua identidade com o território e com a cultura popular”, argumenta Pinha. Claudiene concorda com o professor de História da Uerj. “Ainda estamos em passos de formiga, mas o reconhecimento já começa a chegar. Estamos fechando parcerias com o Arquivo Nacional e com o Museu da Imagem e do Som (MIS)”, conclui a coordenadora do projeto.