Diretoria de Comunicação da Uerj
O formigueiro-do-litoral e o formigueiro-de-cabeça-negra, aves nativas da Mata Atlântica e de ocorrência exclusiva no estado do Rio de Janeiro, estão severamente ameaçadas de extinção. Com o objetivo de aprofundar o conhecimento científico sobre as espécies, pesquisadores do Laboratório de Ecologia de Aves e Comportamento (LabEcoAves), do Instituto de Biologia Roberto Alcantara Gomes (Ibrag) da Uerj, investigam a biologia e ecologia dessas aves, como, por exemplo, a distribuição geográfica, o uso do habitat, a dieta, a reprodução e a variabilidade genética, entre outros aspectos. Estudos como este são fundamentais para o desenvolvimento de ações e políticas públicas voltadas para a conservação da biodiversidade da Mata Atlântica, bioma globalmente ameaçado.

Também conhecido como com-com, o formigueiro-do-litoral, Formicivora littoralis, é uma pequena ave de aproximadamente 14 centímetros de comprimento que se alimenta de pequenos insetos, como formigas, besouros e larvas. Pesando cerca de 15 gramas e dependente de áreas de vegetação de restinga, esse pássaro só é encontrado em um limitado trecho do litoral fluminense, entre os municípios de Saquarema e Búzios, na Região dos Lagos. Nas últimas décadas, vem sendo registrado um declínio dessa espécie em decorrência do desmatamento e degradação do habitat. A investigação dos pesquisadores da Uerj revelou um grave desequilíbrio ambiental que coloca em risco o futuro dessa ave.
A professora Maria Alice dos Santos Alves, coordenadora do Laboratório, que pesquisa esta espécie desde 2005, aponta outra ameaça enfrentada. “Com a urbanização e globalização, cada vez mais as populações de aves são impactadas por espécies exóticas invasoras. No estado do Rio Janeiro, por exemplo, saguis do gênero Callithrix, originários da Caatinga e do Cerrado, geram híbridos férteis que predam ovos e filhotes do formigueiro-do-litoral. Vários estudos feitos com monitoramento por câmeras mostram que de 80% a 90% dos ninhos são predados pelos saguis. É devastador”, afirma.

Outra ave que corre risco de desaparecer é o formigueiro-de-cabeça-negra, Formicivora erythronotos. Considerada extinta por mais de cem anos e redescoberta em 1987 por observadores de aves e por pesquisadores associados à UFRJ, a espécie vive em uma área muito restrita na região da Costa Verde. “Esta ave prefere locais de baixa altitude, como vales de rios com floresta de vegetação rala, arbustiva, chamada de capoeira. Estamos investigando como ela usa seu habitat, sua dieta, tentando descobrir que tipos de insetos consome para ser tão específica daquela região, além da variabilidade genética e vocalizações dessa ave”, explica Maria Alice.
A construção de estradas, expansão urbana, empreendimentos turísticos, pastagens e monoculturas destroem o habitat do formigueiro-de-cabeça-negra. Os pesquisadores da Uerj atuam em parceria com órgãos ambientais, como o ICMBio, e membros da comunidade, para implementar medidas visando à preservação das aves locais. “Temos que lutar contra o tempo, pois o número de indivíduos dessa espécie parece ter diminuído muito nos últimos 30 anos, e estudos até o presente não indicam haver unidade de conservação adequada para ela”, alerta a professora.
Projetos de longa duração
Criado em 1995, o LabEcoAves da Uerj também integra o Programa de Pesquisas Ecológicas de Longa Duração (PELD), do governo federal, que visa garantir a continuidade dos trabalhos além do período de um doutorado ou pós-doutorado. A cada quatro anos, são realizadas chamadas públicas, financiadas pelo CNPq, Faperj, Capes e outras instituições. Os recursos possibilitam o registro e a comparação de dados ao longo de décadas.
Contando com o apoio do Centro de Estudos Ambientais e Desenvolvimento Sustentável (Ceads) da Uerj, o LabEcoAves atua na Ilha Grande desde 1996 com diferentes abordagens sobre ecologia de aves, incluindo o anilhamento de quase sete mil aves silvestres em vida livre. Uma breve síntese de 25 anos de pesquisas, que produziu dezenas de publicações científicas, pode ser vista em um volume especial da revista Ineana.
Em 2023, foi publicado em livro um resumo de 13 anos de pesquisas da equipe do Laboratório sobre as aves do Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba, no Norte Fluminense. Esses estudos fazem parte do PELD Sítio 5/CNPq, que busca avaliar a influência das mudanças climáticas na biodiversidade em ecossistemas costeiros. Além desta área e da Ilha Grande, o laboratório possui dados de médio/longo termo para a Reserva Biológica União.

“Trabalhar com aves é interessante porque elas ocupam diversos tipos de ambientes, desde regiões costeiras, florestas, savanas até regiões geladas, como a Antártica. Amplamente distribuídas e fáceis de observar, elas podem servir como indicadores ambientais”, pontua Caio Missagia, pós-doutorando do LabEcoAves.
“Estudos de longo prazo, como os desenvolvidos pelo nosso Laboratório, produzem um elevado volume de dados que permite alimentar modelos computacionais robustos, úteis para realizar análises espaço-temporais sobre a avifauna do estado do Rio de Janeiro”, finaliza.
Assista, na íntegra, a dois vídeos sobre o projeto dedicado à conservação do formigueiro-do-litoral e do formigueiro-de-cabeça-negra: