Diretoria de Comunicação da Uerj
Nos próximos anos, a Uerj vai explorar uma das mais instigantes fronteiras do conhecimento: o espaço sideral. Uma equipe de pesquisadores da Faculdade de Engenharia (FEN) vem se preparando para embarcar um minissatélite contendo microalgas no veículo de sondagem brasileiro VSB-30, um tipo de foguete espacial, com lançamento previsto para 2026. Em dezembro, o projeto “Microalgas em microgravidade: adaptabilidade em altas altitudes e aplicações biotecnológicas”, desenvolvido em parceria com o Laboratório de Biotecnologia de Microalgas do Instituto Nacional de Tecnologia (INT), foi um dos 13 selecionados no 6º Anúncio de Oportunidade da Agência Espacial Brasileira (AEB). A iniciativa da autarquia federal visa financiar e prover suporte técnico a diversos estudos nacionais inovadores, contribuindo assim para o avanço da ciência.

Na Uerj, a pesquisa dedicada às microalgas teve início em 2018, quando integrantes do Departamento de Engenharia Sanitária e Meio Ambiente da FEN começaram a colaborar com o Grupo de Foguetes do Rio de Janeiro (GFRJ), um projeto de extensão da mesma faculdade, liderado pelo professor Gil Pinheiro. A princípio, o objetivo era monitorar remotamente o crescimento de algas cultiváveis. A partir da experiência adquirida nessa primeira fase e aproveitando o conhecimento do GFRJ em projetar, fabricar, testar e lançar foguetes e satélites, a iniciativa evoluiu para investigar o comportamento das microalgas em baixa gravidade, buscando estimular a produção de metabólitos de interesse biotecnológico e econômico.
A bióloga e professora Lia Teixeira, coordenadora do projeto na Uerj, destaca a importância desse tipo de pesquisa para a astrobiologia, campo científico interdisciplinar que estuda o surgimento, evolução, futuro e distribuição da vida no universo. “Os microrganismos, como as microalgas que se adaptam a condições extremas, são modelos de estudo para compreensão tanto da origem da vida na Terra quanto das possibilidades de ela existir em outros pontos do cosmos, mesmo aqueles mais hostis do que, por exemplo, um iceberg ou o deserto do Atacama, o lugar mais seco do mundo”, afirma.
Os cientistas analisam, por exemplo, como a biologia celular funciona em uma gravidade diferente daquela à qual estamos acostumados em nosso planeta, bem como outros fatores que, em tese, parecem estar fora da faixa de normalidade para a vida, como a radiação e a baixa disponibilidade de água. “Ao testar essas condições, podemos montar um grande quebra-cabeça que nos ajudará a entender as possibilidades de vida”, pontua.
Além disso, os conhecimentos obtidos sobre os microrganismos são valiosos para o desenvolvimento de novos produtos e processos. “Quando uma célula é submetida a uma condição de cultivo específica, como a microgravidade, ela provavelmente vai apresentar metabólitos diferentes, que podem ser transformados em produtos biotecnológicos, como por exemplo uma proteína com ação enzimática útil para a indústria farmacêutica ou cosmética”, explica Lia.
Características e aplicações

Escolhidas como objeto de estudo, as microalgas se reproduzem rapidamente e desempenham um papel fundamental na natureza como produtores primários na cadeia alimentar, transformando elementos simples em moléculas mais complexas por meio da fotossíntese. “Elas capturam dióxido de carbono e produzem oxigênio, sendo, portanto, potencialmente úteis para futuras aplicações em locais como Marte, cuja atmosfera é composta predominantemente por CO2”, exemplifica o professor André Salomão, da Faculdade de Engenharia da Uerj, um dos membros da equipe.
Ricas em proteínas, sais minerais, vitaminas, carotenoides e ácidos graxos essenciais, também são adequadas para consumo humano, como ocorre na culinária japonesa e em diversos suplementos vitamínicos disponíveis no mercado, feitos com algas desidratadas. Seu cultivo ainda pode ser aproveitado para a fabricação de biocombustíveis, como biodiesel e bioetanol, e no tratamento de esgoto.
Por isso, em estações espaciais, as microalgas podem ser fonte de alimento para a tripulação, biofertilizantes para plantas, suporte para melhorias na qualidade do ar e solução para o tratamento de águas residuais. “O uso desses microrganismos como matéria-prima para a produção de biocombustíveis e fonte alternativa de oxigênio e nutrição pode proporcionar maior autonomia às missões, reduzindo custos e prolongando o tempo de permanência dos astronautas no espaço”, argumenta o professor.
Para o projeto, os pesquisadores optaram pela Chlorella vulgaris, uma espécie de microalga verde já bastante estudada pelo grupo, além de ser amplamente distribuída em ambientes de água doce e reconhecida por sua alta produtividade de biomassa.
Caminho a ser percorrido: do laboratório ao espaço
Com a aprovação no edital, o projeto da Uerj com o INT ganha a oportunidade de participar do próximo lançamento de foguete promovido pela AEB, em 2026. O voo em veículo suborbital, como o VSB-30, propicia um ambiente de microgravidade, situação conhecida como queda livre, por cerca de seis minutos, tempo suficiente para observação e análise dos resultados. Ao final, a carga útil é recuperada e os experimentos são devolvidos aos pesquisadores responsáveis, possibilitando o melhor entendimento e posterior aperfeiçoamento em solo de processos físicos, químicos e biológicos.
Até a data do lançamento, a equipe deve cumprir uma série de etapas, demonstrando capacidade de realizar o que foi proposto. “Ao longo desse período, vamos cultivar microalgas, produzir biomassa e criar um simulador de microgravidade em laboratório. Também desenvolveremos ferramentas de monitoramento que nos permitam obter e acompanhar alguns resultados ainda durante o voo, como um microscópio e um espectrofotômetro para visualizar as células e estimar a taxa de fotossíntese”, aponta o professor.
Esses e outros equipamentos, como a câmera, sistema de bateria e programa de envio de dados das medições, são projetados para serem compactos e se adequarem aos limites de espaço dentro do foguete. O minissatélite CubeSat possui volume de um litro, sendo um pequeno cubo de 10 centímetros, com pouco de mais de um quilo de massa. “Planejamos testar as ferramentas de monitoramento das microalgas associadas aos protótipos desenvolvidos pelos integrantes do grupo de foguetes da Uerj, em lançamentos executados por eles em diversas competições”, esclarece Lia. “Todos esses projetos levam o nome da Uerj para além dos muros da instituição e colocam a Universidade no cenário da corrida espacial”, conclui o professor Salomão.