Diretoria de Comunicação da Uerj
Nesta última sexta-feira, 26 de abril, a comunidade universitária brasileira foi surpreendida pela divulgação, pelo Governo Federal, de possível alteração no repasse de recursos financeiros às áreas de Filosofia e Sociologia. A justificativa apresentada fundamenta-se em dupla intenção: “gerar retorno imediato ao contribuinte” e “melhorar a sociedade”, priorizando áreas que seriam supostamente mais capazes de realizar esses dois intentos.
Na posição de pesquisadores e professores de uma Universidade pública, julgamos ser nossa obrigação oferecer elementos, lastreados em nossa prática profissional, para a qualificação do debate em torno dessa proposta.
O ponto principal que gostaríamos de destacar é a relação sugerida entre o bom uso dos recursos públicos arrecadados com os impostos e seu suposto mau uso com a manutenção dos cursos de Filosofia e Sociologia.
É característico das instituições de pesquisa a distinção entre pesquisa básica e pesquisa aplicada. A pesquisa básica (ou pura) se destina à produção de conhecimento teórico e ao refinamento conceitual, os quais são, por sua vez, os instrumentos utilizados para a resolução de problemas específicos de aplicação mais imediata, enquanto a pesquisa aplicada produz soluções para questões específicas. Assim, a pesquisa pura produz os conceitos sem os quais a pesquisa aplicada seria impossível.
Essa relação entre o “produto” da pesquisa pura – o conceito – e o “produto” da pesquisa aplicada – as políticas públicas, as patentes, as novas técnicas, entre muitos outros – ocorre em todas as áreas do conhecimento. A pesquisa sociológica pura, por exemplo, é crucial para o desenvolvimento de diferentes Ciências Sociais Aplicadas, como o Direito, o Serviço Social, a Administração, a Economia e o Planejamento Urbano. A reflexão filosófica, por sua vez, influencia o conhecimento matemático que sustenta as Ciências Exatas e integra a formação de profissionais de várias áreas das Humanidades e das Ciências Biomédicas, tais como a Psicologia, o Jornalismo e a Enfermagem.
Essas conexões atravessam, assim, as fronteiras disciplinares, com conceitos produzidos em algumas áreas sendo utilizados para o aprimoramento das práticas profissionais de outras. E é justamente aqui que essa visão de que
haveria um suposto desperdício na alocação dos recursos públicos nas áreas da Filosofia e Sociologia se torna muito preocupante.
Oferecemos dois exemplos:
– a reflexão sobre o pluralismo cultural, questão central nas Ciências Sociais: sem a compreensão teórica daquilo que está na base das dificuldades geradas pela convivência entre pessoas com visões de mundo distintas, como mediar e administrar conflitos nos cotidianos institucionais e nas práticas profissionais?
– as teses sobre a ética, área de expertise da Filosofia: sem a reflexão conceitual refinada que é própria da pesquisa pura, como discutir e resolver as questões concretas que se colocam recorrentemente no cotidiano dos profissionais, por exemplo, da área de Saúde?
É por essa razão que a Filosofia e a Sociologia, além de integrarem o currículo do Ensino Médio, também fazem parte dos currículos de diversas graduações cujas práticas profissionais podem parecer mais imediatas e “aplicáveis”, mas cuja qualidade ficaria irremediavelmente comprometida sem a contribuição de ambas.
Dois outros exemplos: os profissionais da Nutrição, cuja prática tem “utilidade” inquestionável, precisam conhecer as diferentes concepções em torno da “boa alimentação” para poderem realizar um bom trabalho junto aos diversos grupos que atendem, conhecimento esse que não pode prescindir das reflexões da Sociologia e da Antropologia; já os profissionais do Direito precisam de uma reflexão sofisticada quanto às fronteiras entre a ética, a moral e a lei, e para isso a Filosofia é indispensável.
Os cursos de Filosofia e Sociologia, mote dessas reflexões que julgamos ser nosso dever oferecer aos cidadãos uerjianos, fluminenses e brasileiros, são os responsáveis por essa contribuição essencial que se dá em três formatos: na pesquisa (pura e aplicada), na extensão (a divulgação do conhecimento produzido) e na formação de professores (para todos os níveis de Ensino).
É na firme convicção de sua natureza imprescindível que vimos assim, a público, cumprir nosso dever de oferecer à sociedade brasileira essas informações sobre a maneira como as diversas disciplinas – Filosofia e Sociologia, inclusive – se entrelaçam, formando aquilo que se define como uma Universidade, instituição da qual temos enorme orgulho de participar.
Reitoria da UERJ