Naturalistas no Brasil: professor do Instituto de Biologia detalha em livro expedições dos séculos XVIII e XIX

16/01/202317:11

Diretoria de Comunicação da Uerj

Durante seis anos, o professor Carlos Frederico Duarte da Rocha, do Instituto de Biologia Roberto Alcantara Gomes (Ibrag) da Uerj, pesquisou a fundo as expedições notáveis de 24 naturalistas durante o período áureo das viagens de exploração no país. O resultado do trabalho está no livro “Naturalistas viajantes no Brasil, 1783–1888” (editora Andrea Jakobsson), que destaca a importância dessas jornadas para a ciência brasileira. Na obra, o autor relata trajetos percorridos, acervo científico colecionado, vivências e dificuldades enfrentadas pelos desbravadores, como Charles Darwin, Von Martius e muitos outros.

A pesquisa, desenvolvida de 2016 a 2022, engloba informações obtidas de livros, artigos publicados, memórias, documentos e mapas. O autor ainda consultou cartas escritas pelos naturalistas sobre o material depositado por eles em coleções de museus. Também visitou pessoalmente várias instituições, no Brasil e no exterior, coletando dados que embasaram a publicação.

“Busquei redigir o texto de forma a mantê-lo proveitoso não apenas para pesquisadores especializados e alunos de graduação e de pós-graduação, mas para que, também, fosse claramente compreensível a não especialistas, interessados em conhecer mais sobre os naturalistas, fatos, momentos e processos que ocorreram e desencadearam a busca do conhecimento sobre a história natural no Brasil, no período abrangido por este livro”, destaca Rocha.

Nas mais de 400 páginas, o escritor evidencia como as viagens descritas contribuíram decisivamente para a ampliação do conhecimento da fauna, flora, geologia, geografia e etnografia dos povos originários brasileiros. Até o início do século XIX, o trabalho científico aqui realizado era precário, pois, basicamente, não havia naturalistas ou cientistas com formação apropriada.

“No Brasil colônia, tudo era proibido pela coroa. Universidades, escolas de arte, publicações, imprensa, jornais, livros, panfletos, estradas e tudo mais que permitisse o desenvolvimento da cidadania e de um estado ou nação. Era apenas uma colônia de expropriação dos recursos naturais. Por isso, inicialmente, o conhecimento científico vinha de fora, com poucas exceções”, explica.

O autor aponta os principais fatores históricos que impulsionaram a vinda de tantos cientistas ao país naquele período. Segundo ele, após a sequência de invasões, especialmente francesas e holandesas durante o período colonial, a coroa portuguesa proibiu o ingresso de estrangeiros no território nacional. Iniciou-se, então, um período de aproximadamente dois séculos de um “Brasil proibido” ou “Brasil escondido do mundo”, por receio de que outros países tomassem conhecimento acerca da riqueza dos recursos naturais da colônia.

“Esse longo tempo escondido e com acesso reprimido criou uma imensa demanda de interesse econômico e científico das nações europeias sobre as terras do novo mundo, o que possuíam e como eram os povos que ali viviam”, diz o professor. O fechamento internacional só terminou com a chegada da família real e da corte em 1808, fugindo das invasões napoleônicas. 

Nesse período, passou a haver uma “corrida” de viajantes e cientistas, enviados por alguns países ou de forma independente, para estudar e prospectar o Brasil. Museus e jardins botânicos que recebiam parte do material coletado também financiavam as expedições. Alguns naturalistas possuíam recursos próprios, já outros vendiam itens encontrados a museus e colecionadores particulares para custear as longas jornadas.

Figuras notáveis

No livro, o autor comenta a emblemática viagem do naturalista Charles Darwin ao Brasil, bem como sua vida e obra, antes e depois da passagem do britânico por aqui. “Essa foi uma das mentes mais iluminadas que o planeta já produziu e de uma personalidade fascinante. Sua pesquisa e descobertas sobre a evolução mudaram o mundo e a noção sobre a vida”, afirma. O professor narra ainda as experiências e aventuras de Alfred Russel Wallace, Henry Walter Bates, príncipe Wied-Neuwied, além de Johann von Spix e Carl von Martius, entre outros, em terras brasileiras.

Na época de maior profusão de expedições científicas ao Brasil, predominaram os trabalhos realizados por naturalistas estrangeiros. Contudo, o autor ressalta a empreitada do brasileiro Alexandre Rodrigues Ferreira. “Ele viajou durante nove anos em condições precárias pela Amazônia e Brasil Central, entre 1783 e 1792. A expedição foi tão importante quanto a do famoso alemão Alexander von Humboldt, mas os eventos que a sucederam impediram que ele publicasse pessoalmente os resultados. Porém, o conhecimento gerado por Ferreira e o acervo colecionado são impressionantes. No livro, conto tudo isso em detalhes”, antecipa. Carlos Frederico relata também a história de uma expedição nacional, a “Comissão Científica do Império do Brasil”, realizada na segunda metade do século XIX.

Além das coleções e descrições da natureza, o autor apresenta aos leitores os perigos, as doenças contraídas e os riscos de morte que os naturalistas enfrentaram no percurso, enquanto exploravam ao máximo as potencialidades das áreas estudadas. As relações dos viajantes com a população e governos locais também são analisadas no livro.

“Muitas vezes, eles expressaram desconfortos, conflitos pessoais, inconformidades ou discordâncias com o que experimentavam naquele novo mundo, as pessoas e seus hábitos, e as diferenças nos conceitos e comportamentos. Cada naturalista, de acordo com sua história de vida, formação e personalidade, lidou com o conjunto desses aspectos de forma particular. Cada um externou, em maior ou menor grau, seu eurocentrismo, etnocentrismo e nível de preconceito em relação ao que encontrou de diferente no Brasil”, pontua.

Os relatos dos viajantes, em geral, deram pouco ou nenhum destaque à contribuição da população negra e indígena, construindo e consolidando a imagem do naturalista solitário, herói e desbravador, que explorou, coletou e descobriu sozinho grande quantidade de espécies novas em terras desconhecidas.

“Essa não é uma imagem real. Todos os naturalistas, mesmo aqueles que tinham preconceitos contra esses grupos, dependeram crucialmente deles em seus extensos périplos. A participação desses povos foi essencial para o sucesso de todas as expedições científicas”, afirma o autor.

Carlos Frederico da Rocha acrescenta que negros e indígenas detinham o conhecimento milenar transmitido por seus ancestrais que viveram na África e no Brasil, ao longo de muitas gerações, interagindo com a natureza e dela obtendo os recursos necessários à vida. “Eles foram, portanto, fundamentais para a construção desse conhecimento científico e devem ser considerados também protagonistas nessa história”, conclui.