Laboratório da Uerj participa de estudo sobre efeitos do mercúrio usado no garimpo ilegal na Amazônia

13/07/202315:52

Diretoria de Comunicação da Uerj

O Laboratório de Pesquisa em Ciências Farmacêuticas (Lapesf) da Uerj Zona Oeste integra, desde 2017, um grupo interinstitucional que investiga os impactos do garimpo ilegal na Amazônia. O estudo do grupo “Ambiente, Diversidade e Saúde”, coordenado pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), analisa as consequências da exposição crônica ao mercúrio em áreas protegidas e nos povos da floresta. O laboratório avalia variações genéticas que podem estar associadas ao aumento da concentração e ao agravamento dos efeitos do metal no corpo humano.

Extremamente tóxico, o líquido prateado é utilizado para separar as minúsculas e cobiçadas partículas de ouro de outros sedimentos. Os resultados já publicados evidenciam como essa atividade extrativista degrada o meio ambiente e piora a qualidade de vida dos habitantes das regiões afetadas. O projeto conta com o financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e do governo alemão, por intermédio da ONG World Wide Fund for Nature (WWF).

Além de ampliar o desmatamento e ameaçar a sobrevivência da fauna local, importante fonte de caça para os indígenas, esse tipo de mineração também polui a atmosfera. Parte do mercúrio é vaporizada pela queima do amálgama (liga metálica) dos dois componentes, processo geralmente feito com um maçarico a fim de se obter o ouro puro. Descartados indevidamente nos rios, os rejeitos da substância são transformados por bactérias em metilmercúrio, composto orgânico que contamina as águas e os peixes. Isso acarreta graves danos à saúde das populações ribeirinhas e de todos aqueles que consomem o pescado proveniente dessas áreas.

Pesquisadora Jamila Perini realiza coleta de amostras

Segundo a geneticista Jamila Perini, professora da Uerj e coordenadora do laboratório, o metilmercúrio afeta principalmente o sistema nervoso. “Ele atravessa a barreira hematoencefálica, causando sérios distúrbios neurológicos. Prejudica a linguagem, a parte motora, a visão e o crescimento infantil. As crianças são mais suscetíveis aos efeitos nocivos do metal em comparação aos adultos, porque nessa fase o sistema gastrointestinal, a membrana permeável que protege o cérebro e as funções excretoras ainda estão em desenvolvimento”, explica.

Nas gestantes, o metilmercúrio consegue chegar à placenta e ao feto e, depois, contamina o leite materno. Casos de crianças com atraso cognitivo, dificuldade de atenção e malformações têm se tornado cada vez mais frequentes nas comunidades atingidas pelo garimpo. O metal também provoca transtornos alimentares, problemas de pele, fraqueza muscular, tremores, paralisia, perda de sensibilidade, deformidades, insônia, dores de cabeça, irritabilidade, depressão, delírios, cegueira, surdez e, em situações extremas, até a morte.

Os sintomas são descritos internacionalmente como Doença de Minamata, em virtude do incidente ocorrido na década de 1950 no Japão, onde a fábrica de produtos químicos Chisso despejou toneladas de resíduos de mercúrio na Baía de Minamata, contaminando peixes e frutos do mar. As pessoas que ingeriram esses alimentos foram acometidas pela síndrome neurológica, e o caso se tornou um marco na conscientização sobre os perigos da poluição por metais pesados.

Trabalho de pesquisa

Nos últimos anos, os pesquisadores visitaram aldeias dos povos Yanomami, Munduruku e, entre abril e maio de 2023, foram à Terra Indígena Sete de Setembro, dos Paiter-Suruí, em Rondônia. Durante os trabalhos de campo, a equipe multidisciplinar liderada pelo pesquisador Paulo Basta (Fiocruz) levanta dados socioeconômicos, realiza exames médicos – clínicos e neurológicos – e coleta amostras de cabelo para dosar os níveis de mercúrio nos voluntários.

Também é coletado material biológico de células da mucosa da boca (swab oral) para extração e análise do DNA no Lapesf. “Buscamos identificar alterações genéticas chamadas de polimorfismos em determinados genes que codificam enzimas de metabolização, que participam da eliminação do mercúrio, podendo influenciar os níveis e os efeitos adversos do metal no organismo”, diz a coordenadora do laboratório da Uerj.

O genoma humano é composto por três bilhões de pares de bases (ATCG), conhecidas como nucleotídeos. Uma pequena parcela deles, estimada em cerca de 0,5% a 1%, difere entre os indivíduos. “Essa variação é suficiente para que sejamos diferentes uns dos outros, tanto em termos estéticos, em função das características fenotípicas como cor dos olhos e da pele, quanto no funcionamento do nosso organismo. Quando ocorre em mais de 1% da população é considerado um polimorfismo. Pode estar associado, por exemplo, a uma patologia, como o câncer, ou com a resposta a medicamentos, que causam reações alérgicas ou simplesmente não são eficazes para algumas pessoas”, esclarece Jamila.

Até o momento, o laboratório já investigou oito polimorfismos em genes envolvidos com a toxicocinética (alterando o processo de absorção, distribuição e eliminação) e toxicodinâmica (efeito no corpo) do mercúrio. O primeiro estudo, publicado em 2021, envolveu 103 crianças indígenas Munduruku e avaliou uma alteração na enzima ácido delta-aminolevulínicodesidratase (ALAD), responsável pelo transporte de metais no organismo. “A presença desse polimorfismo genético específico faz com que a enzima funcione mais lentamente, resultando em um acúmulo excessivo de mercúrio no corpo”, explica a professora.

Resultados

Foram identificadas duas crianças com esse polimorfismo, sendo dois irmãos, um do sexo masculino e outro feminino, com idades de 12 e 14 anos, respectivamente. Ambos relataram consumir peixe pelo menos três vezes por semana. Verificou-se que a concentração de mercúrio no cabelo deles era significativamente maior do que a média das outras crianças da aldeia, quase sempre acima de 6µg/g, limite de segurança estabelecido pela Organização Mundial da Saúde (OMS).

Observou-se que o menino apresentava alterações visuais, enquanto a menina sofria outros danos neurológicos, como déficit de memória, neuropatia e amiotrofia dos dedos. Esses sintomas são decorrentes da exposição ao metal e possivelmente foram agravados devido à redução da atividade da enzima causada pela alteração genética.

“Vale destacar, no entanto, que os efeitos tóxicos do mercúrio são sempre multifatoriais, pois depende não somente dos genes, mas também de questões ambientais, tipos de exposição, consumo de alimentos contaminados, desnutrição, idade, além de aspectos sociais, psicológicos, entre outros”, pondera a professora.

Nos próximos meses, os pesquisadores vão analisar as amostras, gerar uma base de dados e cruzar as informações obtidas para produzir um relatório técnico sobre o último trabalho realizado. Já os laudos individuais devem ser entregues até o fim do ano. “Este estudo pode contribuir para traçar planos e políticas de saúde pública para as populações vulneráveis à exploração da Amazônia”, finaliza a professora.