Estudos da Uerj contribuem para o debate sobre educação inclusiva para alunos com deficiência

27/01/202111:40

Diretoria de Comunicação da Uerj

No final do ano passado, a publicação da Política Nacional de Educação Especial (PNEE), decreto assinado pelo presidente Jair Bolsonaro, que defendia que alunos com deficiência fossem levados a escolas ou salas especiais, ocupou muito espaço na mídia. Uma liminar do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Dias Toffoli, ratificada em plenário em dezembro, suspendeu o decreto. Mas a polêmica sobre o tema continua atual.

A liminar, mantida pelo STF por nove votos a dois, considera que o decreto traria ainda mais discriminação e segregação aos alunos com deficiência. Para muitos especialistas, esse modelo viola o direito à educação inclusiva.

Segundo Rosana Glat, professora da Faculdade de Educação da Uerj, um dos problemas do decreto é que ele colocaria por terra toda a política de educação inclusiva para pessoas com deficiência, que ficou mais fortalecida no Brasil a partir de 2008, para começar uma nova proposta do zero. “A política existente tem inúmeras falhas e dificuldades, mas estava em revisão no final do governo do Temer. Na época, foi criado um grupo grande de trabalho com pessoas de todas as universidades, inclusive a Uerj, para fazer a revisão desta política, com base em tudo o que foi pesquisado e experimentado nos últimos dez anos”, conta a professora.

A maior preocupação em relação à priorização das escolas especiais é que, com isso, as escolas comuns fechem as portas para este grupo. “A escola é para todos os alunos. Não é o aluno que tem que se adaptar à escola, é a escola que tem que se transformar para atender a todos os alunos. A prioridade de matrícula tem que ser nas escolas comuns, senão a escola pode dizer ‘vai para a escola especial, eu não tenho condições de lhe atender’, e os pais vão continuar batendo de porta em porta para que alguém possa receber os seus filhos. Isso exime a escola de se transformar, de qualificar seus professores e de flexibilizar seu currículo. Quando você flexibiliza as práticas pedagógicas, a forma de ensinar e de avaliar, não é só o aluno com deficiência que se beneficia, todos os outros alunos também. As crianças aprendem vivendo a diversidade”, explica Rosana Glat.

Pesquisas apontam caminhos

Com financiamento do programa Cientista do Nosso Estado da Faperj, Rosana Glat desenvolveu o projeto “Falando de si: estudos sobre autopercepção e histórias de vida de pessoas com deficiência intelectual”, iniciado há aproximadamente cinco anos. “Nessa primeira pesquisa, nós entrevistamos 30 jovens e adultos com deficiência intelectual de ambos os sexos do Rio de Janeiro e do Amazonas, pois trabalhamos em conjunto com a Universidade do Estado do Amazonas. Eles falaram sobre vários assuntos espontaneamente, como relacionamentos, vida familiar, trabalho, independência, dificuldades e também sobre a questão da escola”, explica.

Foto de grupo com alunos com deficiência na entrada do prédio da Uerj no Campus Maracanã
Alunos do curso de extensão em Vivências Universitárias para jovens com deficiência intelectual e autismo realizado em 2019, sob coordenação da professora Annie Gomes Redig, do grupo de pesquisa.

O que mais chama a atenção no estudo, segundo a professora, é que a maioria relatou as dificuldades de aprendizagem no âmbito da escola comum, seja em relação aos professores, a falta de materiais adequados, de flexibilização curricular e muitas questões de relacionamento, o que revela o retrato atual da educação no país. “Quanto à escola especial, em primeiro lugar, precisa ser uma escola. O que a gente vê hoje em dia não são escolas, são como clínicas, sem currículo predeterminado, sem grande ênfase em processos de ensino e aprendizagem. Temos relatos de pessoas que ficaram anos na escola especial sem de fato serem escolarizadas e sem terem o mínimo de alfabetização, de conhecimentos de matemática e de outros assuntos que pudessem ajudar na integração com o mundo”, pontua.

Para a pesquisadora, os locais de atendimento a pessoas com necessidades especiais devem existir, mas como um complemento. “A princípio, eu não sou absolutamente contra escolas especiais. Elas podem funcionar como centro de apoio, de complementação, de formação de recursos humanos e de pesquisa”, destaca.

Em 2020, um novo estudo foi iniciado pelo grupo para esclarecer algumas questões sobre o processo de escolarização. Chamado “Vivências de inclusão escolar de alunos com deficiência intelectual na educação básica”, tem como foco alunos que estão atualmente no ensino comum ou que já tiveram essa experiência. No entanto, por conta da pandemia, não foi possível ir a campo, mas o trabalho não parou. Durante todo o ano, o grupo se debruçou sobre o banco de dados da pesquisa anterior, resgatando as informações referentes à escolarização. Com isso, pôde preparar entrevistas para a parte semiestruturada da pesquisa. O estudo continua ao longo deste ano.

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