Uerj sedia solenidade de entrega da Medalha Tiradentes a Eunice Paiva, símbolo da luta contra a ditadura militar

15/04/202515:25

Diretoria de Comunicação da Uerj
Chico Paiva, neto de Eunice, recebeu a condecoração da deputada estadual Dani Monteiro

A Uerj foi palco, na última quinta-feira (10), da sessão solene de entrega post mortem da Medalha Tiradentes, a mais alta condecoração oferecida pela Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj), a Eunice Paiva, advogada e defensora da causa indígena no Brasil. Viúva do engenheiro e deputado federal pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) Rubens Paiva, torturado e morto pelas Forças Armadas em 1971, ela foi também um símbolo da luta contra a ditadura militar no país. Na cerimônia, foram homenageados, ainda, os desaparecidos políticos José Macena, Maurício Grabois, Gilberto Olímpio e André Grabois.

O neto mais velho de Eunice e Rubens, Chico Paiva, recebeu a condecoração em nome de sua avó e frisou a importância da união de todos contra as arbitrariedades do Estado. “É importante dizer que não existe uma luta individual. Se hoje estou aqui recebendo esse prêmio em nome da minha avó, em homenagem à nossa família, quero que todos vocês se sintam representados também de alguma forma, porque a luta é um pouco de cada um. Ainda estamos aqui e estaremos por mais gerações que forem necessárias para manter a luta pelos direitos humanos e pela democracia acesa”, declarou Paiva.

A condecoração foi concedida pela Alerj a partir de proposta da deputada estadual Dani Monteiro (PSOL), presidente da Comissão de Direitos Humanos da casa legislativa. O ato fez parte do evento “Ainda estamos aqui – por memória, verdade, justiça e reparação”, que reuniu estudantes, professores, parlamentares, familiares de vítimas da ditadura militar e representantes de movimentos históricos de direitos humanos, com o apoio da Pró-reitoria de Extensão e Cultura (PR3) e do Departamento de História (Dhis) da Uerj, além do Grupo Tortura Nunca Mais RJ.

Dani explicou porque escolheu a Universidade para a solenidade. “A Uerj é um núcleo de resistência de diversas lutas sociais do estado. Muitas mobilizações e ações são acolhidas pela instituição. Além disso, o movimento estudantil é um dos mais combativos do país e mostra a vitalidade e a multiplicidade das lutas. Por esses motivos, e pelo fato de ser uma Universidade fundada para os trabalhadores, por ter sido uma das primeiras a adotar a política de cotas e apoiar as lutas sociais, é que a Uerj foi escolhida como a casa da reparação da memória e da verdade”, destacou a deputada, que é aluna de graduação em Ciências Sociais da Universidade.

Homenageados reunidos com autoridades da Uerj

O vice-reitor da Uerj, Bruno Deusdará, em nome da Reitoria, destacou o papel da instituição no processo democrático do país. “A nossa Universidade é um polo de produção e difusão da ciência, da história e das artes e sempre teve um compromisso muito grande com a democracia. A Uerj, em muitos momentos da sua história, foi palco das lutas democráticas e da construção política, e nos sentimos muito felizes de sediar um evento como este”, lembrou.

Homenagens e reparação simbólica

O evento homenageou também a memória de desaparecidos políticos por meio da entrega de moções de louvor a seus familiares. Foram celebradas as trajetórias de resistência das mães, filhos e netos dessas vítimas e das organizações que seguem lutando por memória, justiça e reparação.

Vitória Grabois, fundadora do Grupo Tortura Nunca Mais do Rio de Janeiro, emocionou o público ao relembrar sua militância desde o assassinato de seu pai, Maurício Grabois; seu marido, Gilberto Olímpio e seu irmão, André Grabois, mortos pela ditadura na guerrilha do Araguaia. Ela defendeu a continuidade da luta por justiça e denunciou a impunidade que ainda marca o Brasil. “Todos os governos ditos democráticos desse país têm uma dívida histórica com a sociedade brasileira, com os familiares dos mortos e desaparecidos políticos”, enfatizou Vitória. “Queremos que se abram todos os arquivos da ditadura empresarial civil militar deste país. E que se cumpra a sentença do Araguaia, o caso mais importante levado à Corte Interamericana de Direitos Humanos. Este ano se completam 53 anos que meu irmão, meu marido e meu pai são pessoas desaparecidas políticas”, complementou.

Edu Prestes e Vitória Grabois representaram seus familiares vítimas da ditadura

Representando o deputado estadual João Macena, sequestrado e morto pelas Forças Armadas em 1974, Edu Prestes, neto de Macena e do líder comunista Luiz Carlos Prestes, destacou a importância do reconhecimento institucional das histórias silenciadas da ditadura e a atuação dos familiares para reescrever e manter viva a memória dos desaparecidos políticos durante o período. “O fato de poucas pessoas conhecerem a história de João Macena é um indício de que o Estado conseguiu silenciar sua história de luta. Para reverter essa vitória de um Estado criminoso, que mata as pessoas e as suas memórias, é preciso contar novamente as histórias dessas pessoas”, frisou. Prestes reivindicou que a Alerj reconheça oficialmente João Macena como ex-servidor desaparecido político da casa legislativa e agradeceu à Uerj por acolher esse debate com dignidade e respeito.

Presente e passado: o combate contínuo à violência de Estado

A sessão solene também refletiu sobre os vínculos entre as violações de ontem e as de hoje. No início da solenidade, antes das homenagens, foi exibido o documentário “Desova”, da produtora Quiprocó Filmes, dirigido por Laís Dantas. O produtor executivo da obra, Fernando Souza, enfatizou que o curta-metragem surge do diálogo com o Fórum Grita Baixada (FGB) – um movimento social constituído por uma rede de organizações e pessoas da sociedade civil, articuladas em prol de iniciativas voltadas aos direitos humanos, à justiça e a uma política de segurança pública cidadã para a Baixada Fluminense. “O filme trata da permanência da técnica de desaparecimento de corpos produzida pelo Estado brasileiro, que teve início durante o período da ditadura militar, e continua até os nossos dias. Convivemos com o desaparecimento forçado de jovens, sobretudo negros, nas periferias brasileiras, na Baixada Fluminense, nas favelas cariocas”, pontuou Souza.

Encerrando a sessão, a deputada Dani Monteiro afirmou seu compromisso com a luta por memória, justiça e reparação, e reforçou a importância de manter viva a história dos que resistiram. “Nossa luta é por um Brasil onde ninguém mais precise passar pelo que essas famílias passaram – e ainda passam. Homenagear essas trajetórias é também um gesto de construção de futuro”, salientou.

Fotos: Thiago Facina